Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sábado, 13 de outubro de 2012

Rosinha mulata bonita

JOVEM

Rosinha mulata bonita filha de pai português e mãe nativa das belas terras banhadas pelo Zambeze viviam mais os irmãos à beira-rio numa casa já de alvenaria, melhor que as típicas construções locais.
Em frente, a copa de uma macaniqueira já de grande porte, fazia sombra nas horas em que o calor apertava e acolhia as gentes ao fim de tarde que sentadas em cadeiras ou bancos de madeira de umbila, jaziam como desfalecidas gozando o fresco vindo das águas do rio de “bazuca na mão” (cerveja grande.), trocando assunto.
O sibilar do vento que abanava as canas de milho compunha a música que os grilos da noite acompanhavam.
Era na machamba que cultivavam o “maduíu” (amendoim) as abóboras o “muliu” (couves) o tomate, daquele pequenino e gostoso, o piripiri sacana, “obrigatório na panela moçambicana” e que acompanhava a peixe pende pescado pela manhã.
A menina, já fizera a instrução primária na Escola pública, não seguiu mais pois o colégio era para os meninos brancos cujos pais tinha poder de vida para pagar esses estudos.
Inteligente queria ir mais além, que fazer então…
O pai, homem já com alguma idade, não a que constava no BI português já descorado, mas a que a vida difícil, e a malária, lhe dera, saía de manha para aquele emprego nas obras públicas cujo vencimento apesar de parco, garantia o pão para a boca, quando pelo caminho se não perdia por um qualquer bar da temba onde emborcava para esquecer sabe-se lá o quê.
Lá ia ele pelas cinco e meia da tarde cambaleando até casa, e quase sempre aterrava no velho burro de campanha que parecia espera-lo, na varanda ao fresco, e adormecia sem nada comer, o que o trazia enfraquecido.
Pela manha, levantava de novo para ir trabalhar numa rotina diária que o não deixava ter tempo para mais.
Ele chegara às terras quentes de África, na esperança de melhorar a vida difícil que deixara para trás, na aldeia transmontana e de que um dia voltaria de algibeira inchada de notas.
Mas não aconteceu, o que o patrão lhe pagava como caixeiro da cantina nos confins do mato, na estrada a caminho do Zobue, e onde passava apenas uma vez por semana o machibombo confinou-o a uma vida de solidão total e doenças tropicais que o atiravam dias seguidos para uma cama ardendo em febres.
Foi nesta aflição que conhecera a mão feminina que olhava por ele colocando panos de água fria na testa e fazendo-o comer uma canja de galinha cafreal para que não caísse na fraqueza, seguido de um chá de ervas que só os nativos conheciam e acalmava os tremores das febres.
Pensara em deixar tudo e partir mas foi-se aninhando nos braços torneados e no calor dos peitos que o afagavam nas horas difíceis e sem que desse por isso ia o tempo passando, e a terra que deixara no continente ia ficando nas brumas da memória.
Uma manha, de cigarro da boca e olhar perdido nas mangueiras cheias de frutos amadurecidos, que os mwanas de fisga na mão tentavam deitar abaixo, tomara uma decisão, deixar mesmo tudo aquilo e regressar.
Eis que ao longe uma nuvem de poeira prenuncio da chegada do Matos o motorista do Uleres que passava semanalmente e trazia o correio.
A paragem foi curta apenas para cumprimentar e entregar o amarrotado envelope chegado da metrópole com as notícias da terra e seguir viagem.
Após a partida sentado na cadeira de lona na varanda da cantina, abre num rápido a carta e devora as palavras toscamente escritas, mas que dá para entender que sua mãe falecera.
Correm pelas faces as lágrimas que nunca chorara e sem vontades, reconhece que o regresso á Metrópole já não teria sentido.
No dia seguinte quando do regresso da carreira pede boleia e vai ate a cidade na tentativa de arranjar um trabalho que o tirasse daquela vida isolada e esquecida.
Foi nas obras públicas que encontra o seu emprego como mecânico, o vencimento nada especial, mas dava para fugir daquele fim de mundo. Regressa á cantina para se despedir e trazer os parcos haveres para inicio de nova vida, mas não foi fácil faze-lo, os braços que o afagaram deixaram marcas sentimentais de que não conseguia abandonar, e carrega com ela também.
Se iniciar vida nova era difícil, agora com a companheira seria pior, ou não, talvez fosse ajuda para o apoiar nesta nova aventura. E passaram anos e as crianças foram nascendo, e ele acomodando-se às surpresas da vida e esquecendo o que deixara para trás na terra que o vira nascer.
 Rosinha, a filha mais velha, que havia há muito acordado para a vida, queria vestir-se como as outras e sentir nos pés aqueles sapatos de salto que invejava, mas apenas tinha aqueles vestidinhos de chita que alguém costurara do pano mais barato da loja do “monhé” Salimo.
E os dias iam passando entre nada para fazer e procurando algum emprego que desse para receber uns escudos…
Era difícil….
Num domingo tomara um banho mais cuidado, untara seus braços e pernas com sabonete para que ficassem mais luzidias, esticada a carapinha, enverga o melhor vestido, e consegue que o pai lhe desse uns trocos para ir á matine.
Havia colhido da berma da estrada uma haste de capim que colocara maliciosamente na boca, e com as outras ia soltando aqueles risinhos estridentes.
Ainda era cedo e vão passear para os lados do jardim onde as arvores mantinham o fresco que convidava a sentar no muro que dava para o rio.
Alberto, praça militar chegado da metrópole, num contingente que iria por ali ficar largo tempo, em comissão de serviço, mete conversa, por brincadeira talvez, ou para ajudar a passar a tarde de domingo.
- Olá meninas, que bonitas são, fica-lhe bem esse vestido…
Rosinha e as outras metem os olhos no chão e soltam um risinho enquanto se esquivam para a matiné, bamboleando vaidosamente as ancas já bem desenvolvidas, numa vaidade imensa.
Do filme, apesar de engraçado nada se recorda e logo que termina corre para casa dando por terminado o passeio de domingo.
É no espelho meio partido pendurado na velha parede da casa que se olha como querendo confirmar as palavras antes ouvidas e sonha, sonha com uma vida melhor.
Nos dias seguintes o jipe militar começa a rodar varias vezes por aquele caminho que o magala descobrira e que passava por onde ela morava.
Naquela cabecinha de menina nasce a ilusão de que talvez fosse possível aquele namoro que poderia dar-lhe outro futuro.
Sucedem-se os encontros as escondidas as paixões incontidas as promessas desmedidas que lhe cega a razão, e acaba entregando-se sem medir as consequências.
Quando já não e possível esconder o acontecido, a noticia cai como uma bomba.
O contingente a que ele pertencia, regressava a Portugal…
Promessas infindas de breve regresso, de aerogramas diários e um casamento por fim.
Meses passaram, nada cumprido, tudo esquecido.
A ilusão de menina caíra por terra, em seus braços mais tarde uma criança de tez clara e olhos azuis, como castigo da sua ingenuidade, mas como lembrança de tempos felizes.
Meses passaram e quando menino já iniciava seus primeiros passos, de seu amado recebe  uma missiva, as saudades dos afagos e da sua tez morena, diziam que a mandaria ir para Portugal, uma carta que renova todas a esperança que julgava perdida.
Rosinha e seu menino foram ao encontro inesperado do homem que a despertara para o amor e para a vida.
Tudo era diferente das terras quentes e férteis do Zambeze que deixara, e foi nas terras frias de uma qualquer aldeia do interior, que refez a sua vida, rodeada de mais uma catrefada de filhos.
Nos serões invernosos, sentada á lareira recorda a beleza do rio que tantas vezes lhe lavou as lagrimas, do velho pai que sucumbira a uma cirrose, dos irmão que nada sabia, dos vestidos de chita e dos sons das noites quentes de Africa.
Tudo o que trocou por um grande amor e jamais esquecerá.!

(imagem retirada da internet) 


1 comentário:

Manuela Gonzaga disse...

que história tão forte tão sofrida e tão doce.