Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

AS SANDALIAS

Comigo era assim, moda de sapato que aparecesse logo tinha que a ter, se na cidade não houvesse pois eles vinham da vizinha Rhodesia, bastava dar o recorte de papel da figurinha e pedir aos chofres da Swift ou da Clan companhias de camionagem que transportavam carga da Rhodesia para o Malawi e vice versa.

Tinha sempre a ultima moda, feitio e cores. Cheguei mesmo a ter uns cor de laranja que eram lindíssimos.

Sei que era vaidosa, ao ponto de eu mesmo fazer os meus vestidos com tecidos comprados nas lojas da cidade, salvo os de festa como Fim do Ano que entregava as modistas que trabalhavam para mim.

Reconheço hoje que esta vaidade era demais, especialmente quando olhavam de lado para os meus pés pessoas que calçavam sandálias baratas compradas na sapataria do Casimiro Martins ali no edifício Carlettis ou em qualquer outra na cidade.

Dependia da bolsa da cada um, até que um dia aparece a moda das sandálias feitas de pneus velhos, chamavam o calçado Hippy que se tornou moda em muitos pezinhos até porque os fabricantes locais levavam barato.

Confesso que nunca tive nenhuma, como hoje se diz achava brega, calcado de pobre para não andar descalço, e na mesma altura aparecem as socas de madeira com a parte superior em camurça de cores variadas.

Claro esta menina teve umas de cor roucha que nunca mais acabaram até que um dia as pintei de preto e acabei por da-las.

Ao “passear” pela Internet dei com esta imagem de uns pés cansados de andar, sim porque em África o povo local, andavam quilómetros por estradas de terra batida, ou carreiros pelo mato fora onde a matacanha e as micaias picavam sem dó, sempre que o povo precisava de ir buscar agua ao rio ou á cantina, aliás andavam sempre descalços talvez por isso a pele da planta dos pés fosse tão grossa, para os proteger de tudo isto.

Ora a imagem que encontrei recordou-me muito que aquele povo passou na  aldeia sita no meio do nada, precária que duvido os protegesse dos animais bravios que vagueavam pela noite.

Cobriam -se com capulanas, hoje também moda entre nós que vivemos naquelas terras,
viviam das suas machambas do milho que tiravam e á posterior trocavam nas cantinas por bem essenciais que precisavam, tais como sabão, sal e açúcar.

Mas voltando ao calcado feitos de pneus velhos, estes usados mais pelos homens não imagino porque, mas talvez por se tornar pesado para as mulheres andarem todo o dia nas suas lides.

E esta imagem é exatamente como me lembra que eram usados por pés cansados, gretados, cansados e velhos.

Ao fim de tantos anos os meus pensamentos mudaram e bem no fundo sinto-me culpada pelo tanto que poderia ter sido feito por aquela gente mas nada foi nem por nós nem pelo Governo.

Se eram felizes assim?

Não, mereciam ter ajudas para facilitar a sua vivência, escolas, roupa e calçado, talvez se assim tivesse sido, hoje estaríamos na nossa África.

O que lamento é após a independência o mal continua, apenas uma parte deste povo teve a oportunidade de subir na vida, os outros continuam descalços, ou com sandálias de pneu, as crianças de calção e camisola suja e rota de mão estendida esperando a esmola para viverem o dia a dia e mal.