Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os soldados

imagem da internet

Moçambique continuava com a guerra, os militares iam sendo substituídos conforme as comissões de serviço terminavam.

José chegara da Metrópole, franzino dentro de uma farda de camuflado e com olheiras profundas denotando um imenso cansaço, motivado pela longa viagem até aos confins duma Africa nunca imaginada.

Eram muitos, um batalhão de homens dentro de berliets que iam chegando no vagaroso batelão que os fazia atravessar o Rio Zambeze.

Mais uns solavancos na rampa junto á mãe d’água e eis que por fim chega á cidade.

Os olhos deparam-se logo com um edifício de varanda virada para o emboque, cheio de meninas que atrevidamente lhes acenava.

Foi de espanto a surpresa, continuam até ao fim da avenida onde se situava o quartel, que seria o términus da viagem naquele dia, pelo menos para alguns pois outros seguiriam dias depois para outros destinos onde existiam acampamentos militares.

Anoitecia cedo naquelas terras, até que todos se acomodassem nas casernas, e fizessem o reconhecimento do quartel, o dia terminaria inevitavelmente com o corpo pedindo descanso.
Domingo, era o dia seguinte á chegada, uma alvorada bem cedo tira-os da caserna, uma formatura para revista às tropas, um mata-bicho na messe e tarde livre.

Desciam a avenida aos magotes, já de farda esverdeada e boina militar, num descobrir a cidade, os tascos e os cafés.

O calor já aperta, e a cidade quase morta, atiram-nos para um qualquer lugar a emborcar “2M” e “Laurentinas”, acompanhadas dos pratinhos de petiscos característicos da terra.

Perguntam ao empregado, indicações sobre a cidade o que não levam a melhor pois o entendimento da linguagem não funciona, e acabam por desistir e resolverem conhecer aos poucos a cidade.

Foram passando os dias e os meses, arranjando conhecimento e falando das saudades de quem haviam deixado em Portugal.

José deixara noiva, com imensas promessas feitas, um amor que se dizia eterno e reforçado nos aerogramas que trocava.

Nos primeiros tempos era o desespero da chegada dessas missivas, que foram enchendo uma caixa de lata que havia arranjado para as guardar sigilosamente, longe de quem as pudesse apanhar e ler o que daí viria o gozo entre eles na caserna.

Com receio disso, e com a caixa já bem cheia, entrega-a à guarda de uma jovem com quem havia feito amizade.

Judite, morena de cabelos longos, olhos castanhos, elegante nos seus 18 anos promete guarda-la, e levando-a para casa colocando num canto do guarda-vestidos escondida de possíveis curiosidade lá de casa.

Jamais a abriu, no entanto foi estranhando que ele jamais lhe pedira para ali colocar mais.

Mas isso que importava, a amizade foi crescendo as tardes ao fresco em conversas banais, as idas á matiné, os picnics ao fim de semana á Caroeira ou Boroma, as patuscadas no Mufa sempre acompanhado de malta amiga, eram divertidas, a música os risos enchiam os tempos que estavam todos juntos.

Os bailes, esses, eram inesquecíveis, sentavam-se numa mesa que se tornava enorme pelo números de pessoas que se juntavam, divertiam-se todos trocavam-se os pares nas danças num conviver saudável.

E foi passando o tempo, já amainara as saudades da Metrópole, estava-se bem na cidade, a população era simpática, sentia-se quase em família e a guerra custava menos a passar.

Á tardinha, la desciam ao centro e por ali ficavam num convívio que aos poucos foi despertando outros interesses.

Afinal, as moças apesar de recatadas, eram diferentes mais desinibidas, conversavam e riam numa alegria incomparável.

Já pensava em ficar por ali em acabando a comissão.

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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

E FOI NATAL!




D.Emilia vai contando os dias que faltam para o Natal.

Nunca fora visitada pela cegonha, era apenas ela e o marido.

Naquele fim do mundo onde nasce e morre o dia sem ver família ou amigos deixa-a num frenesim na esperança de data que irá receber alguém.

Os Silvas, que moram na cantina mais perto da sua, havia combinado passar esse dia Natal com eles.

Entra e sai da loja que se situa quase colada a habitação deitando os olhos á estrada ou açambarcando toda a zona envolvente como que esperando algo de novo.

Mas não, a quietude a que já se habituara, era apenas quebrado pelos ruídos próprios do mato. Um velho cruzava a estrada de bicicleta, uma negra de capulana envolvendo nas costa uma criança de tenra idade dormitando, caminhava vagarosamente equilibrando á cabeça uma trouxa maior que o normal.

 Nada de novo, e recolhe novamente ao interior do estabelecimento, sem antes dar um palavra ao alfaiate que cadenciadamente dava ao pedal na velha maquina de costura.

- Depressa que há mais 3 capulanas para embainhares.

Ao que ele responde: - sim senhora vou despachar.

Por detrás do velho balcão de madeira que separa da grande parte das prateleiras onde se encontram as peças de chita arrumadinhas, misturadas com barras de sabão, laminas, pacotes de sal e outras coisas apreciadas pelos nativos, uma cadeira a espera.

Ali se senta até que chegue o marido que fora à machamba que sustenta os dois.

O tempo passa vagarosamente, vai recordando os Natais passados em família, numa terra de muita gente, onde a azáfama da época era bem diferente.

- Amanha para o almoço com os Silvas vou fazer um arroz de cabidela, um arroz doce e umas doçarias como as da minha terra.

Num ápice levanta-se da cadeira e chama pelo “mwana” que entrara como ajudante do cozinheiro e que também anda pelo quintal a tratar da “bicheza”.

- Do cimo da escadaria traseira que dava para o quintal grita:

Apanha esse galo pedrês e leva ao Xambo (cozinheiro da casa há muitos anos) e apanha também ovos que houver.

Ao cozinheiro vai-lhe dando as directrizes do que tem que preparar para o almejado almoço de Natal.

Procura na gaveta da papelada umas folhas soltas com algumas receitas que trouxera quando veio para África.

Amarelecida pelo tempo e uso que já tinham, a receita almejada das filhoses, foi encontrada.
Deitou mãos a obra e sem dar conta do tempo que passara, já haviam “fintado” e tendidas para no azeite corarem e caírem do alguidar de açúcar com canela.

De faces vermelhas do calor e de olhos brilhantes, leva uma a boca e fecha os olhos saboreando o gosto da saudade do Natal da aldeia.

E basta isto, não terá árvore de Natal nem presente naquele fim de mundo, mas pela manhã sente o abraço do marido e um beijo mais longo.
Ouve a missa na rádio, prepara-se para colocar a melhor toalha na mesa do almoço, e a louça guardada para estas ocasiões.
Coloca o vestido que usara na festa do último Natal e passa um batom o que já há muito não fazia.
O almoço decorre calmamente, conversam numa avidez de novidades, falam da politica, da vida, sentados ao fresco na varanda de casa enquanto o néctar dos copos os deixa felizes.

Os “mwanitas” passam a correr, brincando de um lado para o outro, e D.Emilia vai-lhes dando um “sweet” (de açucar branco com risca vermelhas), que agradecem com gritinhos e passando palavra num instante iam duplicando.

A noite foi caindo, a solidão volta, mas foi um dia diferente até que chegue  o amanha e torne a ser o que há anos era.



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