Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

domingo, 10 de maio de 2015

.Se há heróis nesta vida




Há dias soube da morte de um velho residente e amigo dos tempos áureas de Moçambique, e falando com a minha mãe recordamos tempos passados que já se esfumara nas brumas da nossa memória.

Não irei citar nomes por respeito a uma amizade de muitos anos

Chegara da metrópole com muito pouco quase nada, mas nos braços dele e da esposa uns três filhos magritos de cabelo despenteado que se escondiam por detrás das saias da mãe.

Chegaram chamados por alguém que sabendo da precaridade da época em Portugal, lhes arranjara uma carta de chamada para que viessem procurar uma vida melhor naquela que chamavam a terra da árvore das patacas.

Mas assim não era, se existia as árvores das patacas teriam que ser cada um a semeá-la para que depois colhessem o fruto, muitas vezes bem amargo, outras doces.

A família instalara-se numa casa bem rudimentar sem água nem luz, e começaram a vida, enquanto ele pegara ao serviço como pedreiro.

E trabalhava desde que o sol nascia até que se punha e aos poucos foi juntando parte do que ganhava numa lata de farinha que escondia em local só ele sabedor.

Ninguém passava fome, mas a fartura também não existia, a esposa ciente das dificuldades da vida ia esticando a vida como só ela sabia.

Pela manhã, era com chá e pão seco que alimentava os filhos, valia-se das hortaliças que a vizinhança partilhava para alimentar aquelas bocas.

Aos poucos melhoraram a vida e  compraram um terreno, e o calvário da família começou.

Começaram por uma casa de pouco tamanho e poucas divisões, e foram empatando as poucas  poupanças na compra dos tijolos e do cimento.

Na altura ele andava a construir um muro grande no centro da cidade, muitas vezes os tijolos caiam e partiam ficando espalhados pelo chão.

Á noite pegava nos filhos mais velhos e com uma carroça limpava todo o resto que ficara do dia e levava para casa.

Foi juntando mais material que bom jeito dava.

O gaiato mais velho todos os dias pela manha e pela tardinha, levava um burro ao rio e regressava com ele carregado de latas cheias de água, e fazia a viagem várias vezes até encher o bidons que o pai havia colocado junto á obra.

E pela noite dentro, á luz do petromax todos ajudavam a subir aquelas paredes.

E conseguiram, uma casa de varanda a toda a volta, onde mais tarde se sentava a descansar ao domingo, olhando orgulhoso para os filhos.

Brinquei muitas vezes nela com as filhas.

Passados anos ainda construiu outra casa bem junto a avenida que lhe rendia algum dinheiro extra nas rendas.

Conseguiu o que queria, vida estabilizada, filhos estudados e criados e família feliz.

Depois, sim anos depois a descolonização tudo lhe tirou e regressou a Portugal exactamente com o mesmo que levara quanto partiram, só a idade era mais e as forcas eram menos.

Deixei de saber deles durante um tempo, mas quando da festa do encontro Tetense em Viseu encontrámo-nos novamente num abraço enorme de saudades dos tempos de Africa.

Sentados no Rossio recordando velhos tempos a conversa com a minha mãe terminou assim:

-D. Augusta, fiquei sem nada mas consegui ainda construir a minha casinha aqui em Portugal.

Se há heróis nesta vida, eles são estes homens e mulheres.