Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sábado, 1 de março de 2014

D. Zefa perdera a noção do tempo.

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D. Zefa  perdera a noção do tempo.

Seu homem partira de Portugal há muitos anos, na aldeia deixara-a gravida de seu primeiro filho com a promessa de manda-la ir ter com ele logo que pudesse.

Despediu-se chorosa, prenhe de um filho e de saudades, acenava de lenço na mão, a partida do seu amado.

Passaram tempos, nascera a criança e sozinha  ia labutando para o criar.

De seu marido apenas cartas esporádicas com notícias curtas sempre da dificuldade que era a vida naquele inferno que era Africa.

Falava do calor que fazia das terras arias e daquelas gentes de pele escura que pouco trabalhavam , e da dificuldade de progredir para a mandar ir ter com ele.

Até que os vizinhos a começaram a olhar de lado, questionando-a do porque de ainda não havia sido chamada para junto do marido.

A comadre que era mais chegada a ela, levou e foi falar com o padre, afinal naquele tempo seria a entidade mais poderosa para a aconselhar.

Depois de muito pensar seguiu a opinião de todos, ir ter com ele afinal já seria tempo de a receber pois aquela vida separada não era compreensiva.

Apesar da pouca vontade do companheiro, la fez a trouxa e partiu para um desconhecido destino na certeza de ter a chegada o pai de seu filho.

E tinha, o que lhe alegrou a vida mas não tanto quanto esperava.

Uma casinha pequena a beira do rio, com uma varanda enorme bem estilo colonial e no quintal uma arvore com frutos amarelos  dependurados, que fazia uma sombra fresca e agradável, a esperava.

Foi-se acomodando á nova vida , aos pretinhos que por ali rondavam roubavam as mangas maduras e brincavam por ali mesmo aos poucos tomando confiança com o filho.

Num carreiro que ladeava a casa logo pela manhã passavam as mulheres de filhos as costas e lata na cabeça buscando agua ao rio, deixando no ar os risinhos acompanhados de conversas que para ela eram indecifráveis , e olhando curiosamente D.Zefa.

Estranhando aqueles olhares de esguelha acompanhados dos tais risinhos questiona o marido, sentindo diferente daquele homem de quando a deixara em Portugal.

 A desculpa era do cansaço e do trabalho e do calor que fazia etc. e quase nunca queria sentar-se á varanda.

Ora para D.Zefa sentar-se á varanda olhando o rio era o melhor do seu dia e sempre que tinha um tempo ali se refastelava na velha cadeira de lona chegando mesmo a dormitar apos o almoço ao fresco da brisa que corria.

Descobre que afinal, durante o tempo que estivera sozinho o marido se havia enrolado nos braços de uma negra, dócil e bonita e de que já tivera dois filhos.

Cai-lhe uma grande tristeza em cima e entende então o porque da demora da sua vinda para junto dele.

E revolta-se, procura saber a verdade mas ele sempre desmentindo, chegando mesmo a ameaça-la de a recambiar para Portugal.

A medo não lhe fala mais no assunto mas naquela varanda virada ao rio vai chorando silenciosamente, nada pode fazer, regressar seria impensável pois no ventre já carregava outra criança.

E aguentou anos, sentir a ausência do seu homem, criando os filhos e fazendo a  vida  de estomago embrulhado e coração revoltado.

Deixara de ser a mulher esbelta que sempre foi para se deixar abandalhar num corpo flácido vestida de chita e chinela no pé.

Perdera o brio ou queria comparar-se á rival, mulher de grandes peitos onde o marido se deleitava.

E os anos passaram, os filhos partiram e quando ele começou a sentir-se doente, das dores tomadas na caça ao cacimbo da noite, das cirroses do álcool que tomava no bar do Melo, chegou-se mais a ela.

D.Zefa habituara-se  a fechar os olhos a tudo, e teve pena mais dela que dele, da vida turbulenta daquela Africa a que se afeiçoara.

E numa noite  de madrugada em que ele regressa de olhos esbugalhados, arfando de dificuldade de respira, despe-o e deita-o cuidadosamente enquanto vai a cozinha buscar uma bacia com água fresca e uma toalha para o lavar. De caminho acorda o criado para que vá de ginga a correr  chamar  o doutor.

Chega tarde, o coração e as maleitas levaram-lhe a vida.

E fica só, os filhos longe e ela arrastando os chinelos e de vestido de chita já debotado que  vai vivendo, e é naquela varanda onde se senta,  olha o rio, de caudal engrossado, vai mais cheio certamente de tantas lagrimas por ela choradas.

E é uma mulata de olhos claros que a acompanha nesses dias, olha-a com ternura achando-a parecida com alguém , sorri  talvez ironia do destino.

E vem a guerra todos se vão e D.Zefa ali fica na sua varanda perdida no tempo,  até que um dia o rio tenha pena dela e a leve também.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Que fizeram de ti meu rio?

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foto da internet


Que fizeram de ti meu rio?

Cortaram-te as forças la para os lados de Cahora Bassa, prenderam-te as águas que corriam livremente em leito largo e volumoso.

Contigo levavas tudo, os peixes os crocodilos os restos de mato que limpavas ao passar, e já perto das cidades como que dizendo adeus as populações abrandavas um pouco.

Via-te numa grande extensão mas onde te apreciava mais era na zona do jardim Alfandega.

Bem no local onde antigamente atracava a canhoneira, havia lateralmente umas escadas e bastas vezes me sentava, ora para te ver ora para namorar.

O local era lindo e aprazível, talvez do fresco que trazias, e as gentes que deixavas cruzar de uma margem para outra.

No início os velhos batelões depois os mais modernos.

O velho Lino que arrumava os carros naquele espaço pequeno que mais parecia cair ao rio.

As barcaças dos pescadores e o barcos a motor que cruzavam as tuas águas levando gentes da terra.

Como me recordo das almadias que logo de madrugada saiam á pesca trazendo o pende amarrado aos molhos com uma “cambala”, e vendiam-no tão fresquinho.

Verdade é que de quando em vez por maroteira empurravas para lá do percurso estipulado por eles, o que lhes davas um grande susto.

Quando preguiçavas deixavas que aparecessem os bancos de areia que quase dava para se passar a pé até a ilha do Canhimbe.

E era nas tuas margens que na época assentou arraias um bar bem animado “o bar do China”, onde a tardinha se estendiam nas cadeiras em amena conversa de cerveja gelada na mão e petiscos na mesa.

E caia o sol, muitos se estendiam pela noite fora.

Mas tudo isto enquanto tu deixavas, porque bastas vezes estendeste os teus braços e tudo levaste.

Mas agora, passa triste, já não chegas a mãe d’agua nem a beira do cais do jardim.

Pobre Zambeze parece tão triste!