Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sexta-feira, 16 de junho de 2017

AS PORTAS QUE CONTAM HISTORIAS








Há dias sentada numa velha escada, abaulada pelo desgaste dos anos  utilizada, ouvi uma historia passada já há muito tempo, aliás não uma historia mas uma passagem real da vida quotidiana deste Portugal profundo.

A minha interlocutora teria já bem perto dos 90 anos mas de cabeça coberta com um lenço preto, mas  certinha recordando-se de tudo da sua época o que quase nos transportava imaginativa mente para esse tempo que viveu ainda cheia de forças e jovem.

Na altura em que as famílias eram numerosas, o que fazia delas ricas pois mais braços teriam  para trabalhar, tinham o seu "buraquinho" (casa)  vivendo em casas pequenas de pedra granito, feitas com o suor do rosto de todos , quando a agricultura lhes dava um tempinho para tal.

Inacreditavelmente poderemos dizer com toda a certeza que era de sol a sol.

Quem me contava esta historia da vida para denominar o cedo do dia dizia" Inda o sol vinha da casa do diabo mais velho" expressão engraçada e popular que não poderia continuar esta historia sem a nomear.

Assim, logo que o sol nascia, fosse grande fosse pequeno todos se levantavam para aproveitar o tempo que muitas vezes não chegava para tudo.

Eram as sementeiras, as regas o lavrar dos campos, para quem os tinha ou então cedidos por outros mais abonados mas quem o cultivasse, esse "palmo de terra" tinha em troca a entrega de metade da produção.

Ora o mais pobre dos pobres mais não tinha que aceitar as condições impostas. Havia mesmo quem cedesse o gado criado a meias pelo menos algum leite pingava o café da malga que amolecia o pão duro sebe-se lá de quantos dias, além de também ajudar na lavra, puxando o arado que esventravam as terras de sementeira.

Como ia dizendo, cedo já o sacho e enxada se ouviam, fosse para as sementeiras ou para a rega ,pois calhava a cada um a partilha de mesma.

Já no fim do dia quando sol já mal iluminava os caminhos ainda se ouvia  a ceitoura a cortar a erva para o gado enquanto a canalha de calcas remendadas em cima do anterior remendo, fazia os molhos para depois levar à cabeça para casa e alimentar o "Bácoro" as galinhas e outros animais que tivessem.

Contava-me a minha interlocutora que aos mais pequenos os enterravam com uma manta velha até á cintura e em volta um prato de feijões, era a segurança deles, não fosse o gaiato obrigar a guarda-lo amiúde, e assim se criavam.

Não há muitos anos que eu própria via passar as pessoas com os bebés dentro de um cesto grande que viria depois cheio de erva para os coelhos.

À noite uma malga de sopa , tirada da  panela de ferro onde havia sido colocado os legumes sobre o lume das lareiras que existiam em todas as casas, enchia-lhes as barrigas.

Era em redor da mesa sentados nos bancos de madeira tosca que cada um comia a sua parte,mas sem antes o pai dar graças a Deus, que aquecia os estômagos e "cama que se faz tarde".

Dormiam todos na mesma cama em colchões de folhelho de milho e dado o cansaço nem os incomodava, o frio, quando entre as gretas das pedras soprava.

A Escola, iam e vinham a correr aprender as primeiras letras e chegando á 3ª classe já mais não iam.

Enfim uma vida de sacrifícios apenas para sobreviverem dia a dia.

E como nasceu esta conversa?

Das histórias que vou ouvindo dos mais velhos, desde que cheguei, encantava-me as lindas portas de madeira trabalhadas, até pelo contraste que fazia com as casas de pedra ou seja,verdade seja dita, mais casebres .

Perguntava o que era aqueles "enfeites" que existem ainda hoje nas portas, de diversos feitios alguns bem mais elegantes que se poderia imaginar, colocado à entrada da casa do Senhor (que com sorte nas vindimas ou na sementeira das batatas os rogava a custo de tostão e meio) esses que naquele tempo até tinha criados, contrastando com as portas dos mais pobres atabalhoadas apenas para as fecharem noite fora.

De dia ainda se deixava a chave na porta ou até mesmo aberta.

Eram as diferenças de posses que eram marcadas pelas mesmas.

E as argolas chumbadas em tantas paredes pelo menos mais junto á taberna?

Há isso era para prender as bestas, os cavalos ou seja os animais, que ali ficavam enquanto os donos tratavam de vida deles.

É a beleza de vivermos perto da aldeia, vamos ouvindo historias maravilhosas, verdadeiras que eu jamais sabia que existia.

São  as historias contadas por quem as viveu, o que as torna bem mais verdadeiras.

Acabou a conversa "recitando" a Nau Catrineta, poema de autor anónimo, mas belo.




segunda-feira, 12 de junho de 2017

BRINQUEDOS DA MINHA TERRA


Há muitos, muitos anos ,lá para os lados de umas terras africanas a qual poderei chamar a minha terra, havia muitas crianças brincando pelas ruas da cidade.

Deliciava-me olhar da minha varanda e ouvir os gritinhos e gargalhadas deles a correr e a brincar.

Uma das coisas com as quais me deliciava, era ver os carrinhos de arame feitos de desperdícios, tais como arames e latas de refrigerantes fazendo corridas rua abaixo com uma ligação as mãos para os conduzir.

Eram verdadeiros artistas, aproveitavam tudo, desde arames que moldavam o carro ate as rodas com tampos de refrigerantes ou apara mais estilo usavam os topos das latas de coca cola.
Outro dia eram os aros de rodas das bicicletas,que com um pequeno artefacto manual os guiavam para onde criam.

Tinham uma energia fantástica e após passarem por mim e dizer “bom dia senhora” me parecia que mais “gincanas faziam”.

Eram tantas as invenções que os levava a viver uma vida ao ar livre, vestidas apenas de “cabdula” , muitas vezes encardidas e rasgadas, mas não fazia mal era por se sentarem em qualquer lado numa sombra onde faziam a meta ou descansavam aproveitando para afinar as maquinas.

Tinham umas caritas de reguilas como qualquer outra criança do mundo, e sentiam-se felizes.

Um dia reparei que ficava sempre para trás um pequenote com um carrinho feito toscamente e de cara sempre triste.


No dia seguinte, arranjei um daqueles carros de entre os meus  brinquedos arrumados a um canto, vermelho “five star”, e dei-lhe na esperança de que ele gostasse e ganhasse a tal corrida.aqueles olhitos duplicaram de tamanho, parou de imediato a brincadeira e todos o rodearam para apreciar tal “preciosidade” que nunca lhe tinha passado pelas mãos.

No dia seguinte na corrida levava o mesmo carro de sempre, ao que perguntei a razão de não armar em fino com o carro que lhe havia dado, respondendo:

Xi senhora, é bonito demais para estas corridas, ficou em casa escondido para eu brincar sozinho e não estragar.

Agora, os outros meninos,  deixaram de dizer o bom dia ao passar por minha casa deixou-me encabulada, tinha que pensar como havia de resolver o problema-

Fui ao mercado e comprei um saco de suites, daqueles as riscas vermelhas e brancas e passei a dar um quando eles passavam.

Já o sorriso e a saudação regressaram e por debaixo de uma acácia frondosa que tínhamos mesmo ao virar da nossa rua, passou a ser o ponto de paragem para que saboreassem o suite e depois lá´ seguiam como bandos de xiricos cantantes.