Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

DÁ-ME UM BEIJO?

imagem da internet

Dá-me um beijo meu velho, oh deixa-te dessas coisas dizia o companheiro sentado à porta de casa num banco velho pintado de verde ou pelo menos parecia tal era o desgaste da pintura.

Então você me dá um beijo ou não, teimava ela debruçada sobre as costas cansadas de seu homem.

Havia já tantos anos que se haviam juntado, para uma vida cruel e difícil, os filhos já criados apenas restavam eles e a casa de pedra de telhas velhas perdida no campo de onde iam tirando as couves e as batatas para a sopa, e algum pito que por ali esgravatava o chão.

A noite caía e ela carente encostou os lábios ao rosto de barba crescida do seu velho e beijou-o.
Num repente vira a cara dizendo, fica queda mulher.

Ela puxa de outro banco e senta-se a seu lado , acomoda o avental em frente ás pernas, evitando que alguém maldoso deite o olhar, e cruza os braços olhando o infinito e o por do sol que já se ia recolhendo.

Ficam os dois em silencio, mas ele pelo canto do olho ia vendo a silhueta da mulher que já não recordava há quantos anos que era sua companheira.

Como era linda pensa ele, corpo esguio cabelo escuro apanhado num rolo preso por ganchos largos, olhar meigo e mãos esguias.

Ninguem diria que seria ela a sua sorte na vida.

Olha as mãos calejadas , tez queimada pelo sol, esguia como sempre fora, cabelos brancos baços de brilho escondidos num lenço escuro a que habituara por causa do sol no verão e do frio no inverno.

Deita o braço por cima dos ombros da companheira e puxa-a para ele, quase desequilibrando-a do banco, enquanto lhe diz, anda vamos para dentro já a noite esfria.

E ao passar pela porta estreita da casa dá-lhe o beijo que ela pedira, enquanto de olhos húmidos e voz tremula lhe diz, beijo-te todos os dias que para ti olho mulher.

Com o meu olhar, beijo-te as mãos quando me trazes o café pela manha, enquanto andas ao meu lado pelos campos, quando me dás o comer, me vestes e me aconchegas a roupa de noite.

Então sou eu que te não beijo meu velho, e chegando os lábios ao rosto do seu homem, beija-o, não sabe se um beijo de amor, de gratidão , amizade ou respeito apenas sentiu que era doce e gostoso.

Quase jurava que debaixo das rugas seu rosto corara, como acontecera em solteira.

Olham um para o outro e sorriem como que envergonhados dos beijos, sei lá.

Entre duas pessoas que se acompanham vida fora entendendo-se, cuidando um do outro, que se completam afinal é o quê?








quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Os vestidos das bonecas.



Faz-me um vestido para a minha boneca mãe.

Desde pequenita mal me via sentada à maquina de costura logo se punha a meu lado pedindo que lhe vestisse as bonecas.

Um dia dei com ela de agulha e tesoura na mão ela mesmo a fazer o vestido para a sua boneca.


Muito básico sem as minúcias que a costura obriga, mas a vontade de vestir as suas meninas cortou o tecido, enfeitou com renda e num ponto confuso vestiu-a como se fosse a um cerimónia. 





Depois mais outra e outra.

Foi uma vitoria, ela mesmo conseguir fazer o vestido sem a minha ajuda.

Claro que lhe dei os maiores elogios, e até hoje tenho guardado o seu primeiro vestido confeccionado por ela mesmo.

Por graça, fui depois vestindo as suas bonecas, costurando com restinhos de pano os vestidos de outras bonecas





Certo é que a tinha sempre ao meu lado entretida com as suas brincadeiras.

Dos muitos que ainda guardo, um conjunto de vestido e calça que no verão se veste ao chorão .




 No inverno imagine-se que me dei ao trabalho de fazer um vestido de malha, não fosse o boneco passar frio.






Os anos passaram ela cresceu e deixei de fazer as “toilette” das bonecas, mas eis que esta semana repetindo o que a tia fazia, lá tinha a minha neta ao meu lado enquanto cosia a máquina, fazendo o mesmo pedido:-

Vó faz um vestido para a “Sara”, nome que lhe atribuiu como faz com todas as outras.

Deu-me uma saudade daqueles tempos passados, e prometi que sim, a roda da vida repetia-se.

Rebusquei na caixa dos retalhos uma tira que desse para tal enquanto ela ao meu lado ia recusando uns e escolhendo outros até que se decidiu.


Fiz-lhe o vestido para a Sara, acabei-o ontem logo ao chegar da escola vou de certeza ver seus olhos esbugalhados de felicidade ao ver a sua Sara tão enfeitada.









Como é fácil ser feliz!