Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sábado, 13 de julho de 2013

Puta de vida

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imagem da internet

Josefa mulher pequena curvada pelos anos que carrega, tez queimada pelo sol, cabelos grisalhos que fogem por debaixo do chapéu de pano já debotado, caminha com dificuldade e sem sorriso no rosto.
Num braçado carrega um molho de couves apanhadas no fundo do quintal, e noutra mão um balde ensebado com vagens acabadas de colher.
As couves para os “vivo” (nome que se dá aos porcos), as feijocas irão directamente para a panela a complementar a sopinha do dia.
Baixinho vai remoendo palavras que ninguém entende mas afinal é la com ela o monólogo que vai trocando.
Queixa-se da vida, da parca reforma, das dores nos joelhos e agora:- veja lá menina, estes cabrões atiçar o fogo pelas matas fora.
Ao longe lavra um fogo que tudo limpa sem controlo, o fogo que quase rouba mais que o governo a estas gentes já de si conformadas com as novas leis, mas os seus parcos haveres, isso não.
Estas matas, menina, já vêm dos meus avós, dali “arrecebíamos” uns dinheiros pela resina, e na necessidade vendíamos uns pinheiros.
Mas o fogo leva tudo a eito, é uma aflição!
Caminha porta dentro deixando o rasto de lamúrias e impropérios tal é a revolta.
Regressa passado tempos, com dificuldade senta-se no poial de entrada e continua o desfiar de queixas, o médico que não vai a aldeia, os remédios que estão caríssimos o padeiro que deixou de passar  porque o caminho está mau, vai-me valendo as pitas, os ovos e o que tiro la de baixo da horta.
Dizia ela: veja bem a única companhia que tenho é o rafeiro.
O meu homem que Deus o tenha, finou-se lá pelas Africas deixou-me uns dinheiritos que só deram para arranjar esta casita que já vinha de meus pais, os filhos partiram todos á procura de vida e eu pr’aqui estou.
Nem televisão agora tenho, andaram ai uns homens a mexer, mexer e deixei ter imagem.
Puta de vida esta, melhor fora que Deus me levasse.
Despedi-me da senhora já velha e só, entregue ao que a vida lhe quiser dar e até ver, e pelo caminho venho magicando quantas destas alminhas estão por este país?
Seculo XXI e o povo ainda neste desalento.
Usando as suas palavras “puta de vida”