Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Esse Moçambique que amo.

acacia

Pedem-me que esqueça o passado, as histórias de vida das tantas que tivemos nas terras longínquas de nossa África.
Só, no sofá ao canto da saleta e de olhos fechados, acompanhada pelo som do velho vinil como que me despedindo desse passado vou ouvindo e trauteando:
 “Moçambique,
Que palavra tão bonita
Fique lá onde ela fique
Diga lá quem a disser”
Não, não é possível esquecer um tão grande amor á terra que me viu nascer, e como dizem, “podem tirar um moçambicano de Moçambique mas jamais tirão Moçambique de um moçambicano”.
Corre-nos nas veias o sangue negro dum país que nos deixou tanto e tão bonitas passagens da nossa vida.
O sorriso sempre presente das gentes, o bem receber, e como diz a música:

“Aquela casa onde o pão
É para dois e chega a três
E como há gosto em servir
Quem acaba de chegar
O sorriso vai abrir
E a franqueza manda entrar”

Pego num caneta disposta a continuar a partilhar as muitas recordações que guardo no meu baú da memória e num repente fervilham na mente as inúmeras histórias que teria para contar o que me dificulta a escolha.
Faltam-me as palavras, “aquelas maningues fortes que fazem mesmo transmitir aquele sentimento de verdade, verdadeiro.” (escrita á maneira moçambicana).
Coloco junto a mesinha de centro a velha caixa de lata outrora cheia de doçuras e que hoje guarda religiosamente as fotos antigas, algumas já amarelecidas do tempo, fotos de família, amigos e paisagens do Moçambique, minha terra. Um dia também abrirei a caixa dos inúmeros filmes que meu pai fazia na época, autênticos documentos históricos das cheias em Tete, dos acontecimentos da cidade, e dos passeios que dávamos em miúdas.
Pego nelas com todo o carinho e cuidado para as não estragar, pela milésima vez fixo o olhar e vou recordando rosto a rosto as pessoas que vejo.
Sinto que se me tolda a visão, talvez seja uma lágrima teimosa, ou talvez não porque continuo com um sorriso estampado no rosto.
Passam as horas, a meu lado, jaz esquecida, a caneta de tinta permanente, escondida por tantas fotos espalhadas em redor.
Acabo o chá de sabor forte e gostoso, proveniente das grandes planícies do Gurué e que já esfriou na chávena, enquanto decido se vou ou escrever.
Pela mente passam as histórias que tinha para contar eram lindas, de gente amiga, feliz, num país de sonho com muito sol, comida picante e boa, as goiabas que deixavam um cheiro forte e um gosto doce, as atas que caiam ao chão de tão maduras onde poisavam os xiricos e os pardais saciando a sua gulodice, maçãs pequeníssimas doces que chamávamos” maçanicas”, árvores frondosas que dão malambe, um por de sol sem igual, noites quentes de luar, o som longínquo dos batuques, o uivo das quizumbas, o ronco do leão.
Mulheres de capulanas de cor berrante, sentados na esteira ou com os filhos as costas e um lenço na cabeça, pela mão o mufana de cabedulas, o monhé de longas barbas a porta da loja olhando o alfaiate que costura na varanda, e aquele que passa na ginga de óculos escuros e rádio no “som”.
Homens de balalaica e calção com meias altas até aos joelhos, sentados na esplanada do Café Zambeze, de copo de whisky na mão, sorriso estampado em amena cavaqueira, senhoras que passam com vestidos de chita, andando apressadas fugindo ao calor.
Os grupinhos de amigos do Colégio, que se juntavam pela manhã a caminho do colégio, as farras e traquinices que fazíamos, os namoricos com os tropas, os bailes no Sporting e no Aero Clube, os picnics na Caroeira ou em Boroma.
As petisqueiras na Machamba do Mufa, os franguinhos assados na Moagem da Clara.
O cheiro a terra molhada, as acácias floridas.
O passeio “dos tristes” ao domingo, avenida abaixo e acima, as noites de “leua leua” sentados ao fresco.
Sobretudo a união de todos e a amizade, coisas belas, fantásticas inesquecíveis!
Mais de meio seculo passado e tudo recordamos nos almoços anuais que fazemos, recordamos os ausentes e os presentes, os que já não estão entre nós fisicamente mas estarão sempre na nossa memória, como seria possível esquecer o nosso passado?
Seria preciso morrer para esquecer tudo o que se viveu naquela terra maravilhosa, até porque outros tambem a não esqueceram.
Kanimambo Moçambique!