Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

domingo, 16 de agosto de 2015

PADRE CASTRO


Hoje é domingo, estou a trabalhar mas lembrei uma missa especial que muitas vezes assisti e de tanto gostar do padre que a rezava foi o que me casou e baptizou meu filho.

Homem baixinho, barba grande, irrequieto com um coração do tamanho do mundo, sempre pronto ajudar os mais necessitados, e poderei dizer que por isto era pobre.

Nasceu em Madrid, o dia 2 de Fevereiro de 1934. Estudou no Seminário de Madrid e no Seminário Nacional de Missões de Burgos (IEME). Foi sacerdote diocesano e missionário do clero secular espanhol.

Tete foi a cidade que o acolheu quando após ser ordenado padre em 1958 foi para as missões.

E foi ai por onde ele sempre andou, no meio do povo africano independentemente de sua cor ou credo  os ajudava e protegia.

Quem não conhecia em Tete o Padre Castro?






Tinha uma motorizada já muito velha que alguém lhe havia dado, mas de velha e cansada era mais as vezes que estava avariada que a andar, mas era nela que percorria as aldeias e aldeamentos pelo mato numa constante ajuda a quem precisava.

Os pneus de tanto andar por caminhos e carreiros de pedra já só andava nas lonas e as avarias eram constante,

Quando acontecia era nas oficinas de meu pai que a deixava sem precisar de nada dizer, apenas comentava de riso no rosto que já nem à “guiinha” (empurrando) fazia nada dela.

Habituados que estava o pessoal a estas queixas de imediato a iam arranjar, remendando aqui e ali mas que ficasse andar pois eram as pernas de quem precisava ajuda deste homem dedicado á missão para que fora destinado.

Não raras vezes batia á nossa porta, já sabíamos vinha matar a fome, entrava e comia connosco como um familiar e grande amigo. Dali saia sempre com um saco cheio de comida que prendia na grade sobre a roda traseira da mota e lá ia feliz.

Uma manhã apareceu com um missal, autografado por ele com uma dedicatória maravilhosa e deixou-o nas mãos de meu pai.

Ainda hoje é por ele que rezam as orações da manhã e à noite, e assim ele passou a estar connosco ao longo de todos estes anos.

Dizia ele nos tempos conturbados da guerra,


"Temos muito que trabalhar e ajudar a levantar este país que tanto custou independizalo.
Estou muito feliz e faltando muitas mãos"(sic)


E estava, e continuou a sua missão de ajuda e apoio as populações vítimas da guerra acolhendo-os e escondendo muitas vezes dentro da sua missão homem, mulheres e crianças perseguidos.

No meio de toda esta azáfama a 6 de Agosto de 1976 quando tinha 42 anos, viajava para a Beira com vontade de passar uns dias de descanso . Ia na companhia de outro sacerdote uma freira e um miúdo que ia a seu lado na parte traseira do carro, eis senão quando caem numa emboscada na ponte do rio Pungué perto da fronteira com a Rhodesia, e foram assassinados pelas tropas Rodesianas numa incursão a Moçambique, momento no que ambos países estavam em conflito:

Nesse dia mais 340 moçambicanos tiveram a mesma sorte assassinados pelas mesmas tropas.







Um mês antes havia escrito a sua mãe :

ÚLTIMA CARTA (Julho de 1976)

Querida mamã:

Recebi a tua carta que escreviste a primeiros de Julho. Vejo que as minhas cartas chegam muito atrasadas. Mas chegan. Já estaba ansioso por receber a tua.  A tua carta é toda optimismo e me das todas as bênções havidas e por haver. Obrigado. Es uma mãe muito gira e valente que eu tenho visto. Ninguém te ganha em generosidade e por isso o Senhor te da sempre um cento por um. Bendito sejá Deus mil vezes. Assim sejá.

Mamã: sou simplesmente feliz com todo isto e me encontro como peixe no rio. Sigo com muitas ganas de ser padre e sigo sem ter tempo para casar-me. Só peço a Deus um sobrinho que se chame Luis Garcia, que ainda não há. Olha que pouco ambicioso som para as coisas do mundo!

Esmas que no céu falemos a vontade porque, como vês, neste mundo vivemos com presas e não há tempo para as nossas coisas. Deixá. Da bem mais felicidade dar que receber. Porque quem da, da e recebe alegria. E, que mais queremos mamã?, essa é a vida. O egoísmo é a morte, é dizer, o pecado. Por aí não nos vão colher. Quando morramos diremos: MISSÃO CUMPRIDA. Que é o que tu fizeste? Pois, nada especial. Alegrar todo o que eu puder aos demais, dando guloseimas para o corpo e para a alma. Passou a vida assim correndo...Passa. Deus dirá. Assim Seja.

Que  mágoa que não tenhas ainda setenta anos! Vir-te-ás comigo. Ai, as minhas velhotas se te vier! Morrer-te-ás de gosto. Podes vir apenas uma temporada. Por que não? Saca passaporte. E regressamos juntos. Um bilhete de ida e volta por quarenta e cinco dias e pronto. Em quinze horas apresentamo-nos em Moçambique. Animo! Vai aforrando. Isso não vai ser problema. Venderemos maçãs carameladas na porta do metro. Não te faltaria nada. Temos médicos e enfermeiras -monjas-. E comidinhas apropriadas. °Já, já...! Ta bom. Ao serio. Não é nada impossível, Ai, que surpresa era!

És tremenda. A tua carta tranquilizou-me muito. És a mulher forte da Bíblia. Já não estou coxo, já não tenho parasitas e já não tenho nada nas mãos nem nas plantas dos pés. Milagre. Obrigado com Deus. E  peso 75 quilos. Estou giro e elegante. Saudações a todos e abraços. Quero-te. LUIS.
 (padrecastro.wix.com/padrecastroport#!viajeport/c1n86)

Partiu o padre que deixou muitas saudades a todos.


Que descanse em paz, entre nós Tetenses de todas as raças será sempre recordado.