Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A HERANÇA DA VELHINHA


Maria caminhava cabisbaixa rua a cima, rua abaixo, algo que ninguém entendia.

Uma vizinha mais curiosa chega junto dela e viu-lhe no rosto uma lágrima que fugira de seus belos olhos pretos.

-Que tens Maria perdeste alguma coisa

-Não tia Isabel ando aqui por andar.

Admirada com tal resposta Isabel mulher já entrada na idade, vestida de preto retira-se com um até mais logo.

Maria muda de caminho, e assim percorre quase todas as ruas da aldeia, numa tristeza só, enquanto quem a vira passar toda a manha neste afazer comenta as mais impossíveis e maldosas opiniões.

Por ela passa uma velhinha que a vira crescer, sempre de sorriso nos lábios, olhos enormes, pretos tais como o seus cabelos que entrançados lhe davam sempre um ar de garota.

Tinham vindo de outra aldeia, dizia-se que perdera os pais há muito e esta velhinha foi olhando por ela até que fosse adulta.

Ensinara-lhe as primeiras letras, as primeiras orações, os trabalhos do campo.

Pela tarde sentadas no velho e desgastado degrau da casa de granito ia
ensinando-lhe a arte de trabalhar com uma agulha, sempre dava jeito remendar uma roupa ou pregar um botão.

Aprendeu arte das agulhas que teciam as camisolas e meias para o inverno, e com as amigas ao pouco aprendeu a bordar
.
Como muitas diziam era o enxoval que um dia iria levar.

Ensinara-lhe  o que sabia e aos poucos deixou menina sabedora de tudo da vida  como sobreviver caso ela um dia estivesse entre quatro tábuas ao cimo da nave da linda igreja de talha dourada onde tantas vezes se ajoelhava a rezar.

A velhinha nada tinha de valor, apenas umas arrecadas que já tinham sido herança de avó e da mãe, como não tivera filhos foi a Maria que num serão chamou e a luz da velha candeia retirou-as das suas orelhas e pendurou-as na da rapariga.

Não madrinha, assim a chamava, não posso aceita-las, são suas e um dia as levará para a cova.

Esse dia chegou mais rápido que pensara e a madrinha despediu-se deste mundo.

Ao vesti-la para a colocar na sua ultima morada, a mão direita não se abria, tanto tentaram desistiram.

Quando lhe colocaram as mãos cruzadas sobre o peito onde enrolaram um rosário como era costume lá na terra, reparou uma crepieira que da mão direita aparecia um papel.

Tiraram-lhe cuidadosamente o mesmo onde se encontrava escrito em letras bem desenhadas apenas :

-As minhas arrecadas, e a minha casa, são para a minha afilhada Maria, que Deus a guarde e jamais se esqueça da madrinha.

E assim fizeram entre lágrimas e choros foram entregues as devidas arrecadas a sua nova dona.

De longe vieram pessoas amigas ao funeral, e qual não foi o espanto de todos quando se soube que Maria afinal era filha da pobre velhinha que fora mãe solteira e de vergonha, como era naquele tempo, sempre encobriu este segredo.

Maria no dia que caminhava cabisbaixo todas as ruas, afinal procurava um brinco que se desprendera de sua orelha e o havia perdido.

Tinha que o encontrar, remexeu todas as ruas e caminhos por onde andou, e já cansada recorre a igreja, ajoelha-se aos pés de Virgem Maria pedindo-lhe ajuda e perdão a sua madrinha pelo facto de ter perdido a única coisa que lhe deixara.

Quando se levanta para sair da igreja, no chão vê algo a brilhar, baixa-se pois era o brinco que a fizera correr tanto toda a manhã.

Diz o povo que fora a madrinha que o ali colocara, e Maria ajoelha-se novamente e chorando agradece o ter encontrado o seu único tesouro.




(Esta historia contou-ma uma velhinha dizendo que era o milagre da santa da terra, contos antigos que passam de geração )