Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Que mundo este!

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imagem da internet

Uma das lembranças boas que tenho de Tete era um velhinho de bengala na mão, acompanhado de seu cão que passava diariamente á minha porta.

De seu nome João Mendes, descia a rua caminhando vagarosamente de sorriso aberto despontando por debaixo do bigode bem aparado, e barba feita, cumprimentava todos que com ele se cruzassem.

Nós garotas, achando graça lá estávamos junto a vedação do quintal à espera que ele passasse para lhe dizermos bom dia e afagarmos por momentos o canito seu amigo inseparável.

Tinha como companheira uma senhora negra que se incumbia de o trazer bem arranjado, limpo alimentado o que fazia dele um homem feliz.

Á tarde após o almoço, estendia-se na cadeira de lona na varanda colonial, onde uma brisa fresca se cruzava refrescando-o enquanto dormitava a sesta até o calor passar.

Perto numa mesa de madeira pequena, estava a moringa tapada com um copo de borco coberta por um pano bordado com flores garridas a ponto pé de flor, e ladeado de um piqué de crochet rosa.

A função era cobrir das moscas e deixa-la protegida do calor.

De quanto em vez João Mendes matava a sede naquela frescura de água e recostava-se novamente deixando que o tempo passasse calmamente.

E os dias iam passando, acarinhado e sempre assistido por uma alma  caridosa que o acompanhou até que partiu.

Morreu feliz.





Meio seculo depois, noutro país, vejo da minha janela  um outro idoso, que passa diariamente a minha porta, andrajoso só arrastando os pés cansados, ar carrancudo que nem cumprimenta.

Vive só numa casa de pedra onde a luz e o frio atravessa por entre frinchas que já nada os impede.

A um canto uma lareira com brasas quase apagadas, que o aquece nos dias frios.

Uma enxerga com cobertores velhos onde se enrola na noite, e passa frio.

Come do que lhe dão as vizinhas ou apanha no lixo.

Tem uma pequena reforma que mal chega para a farmácia, mas vai dando para comprar pão e pouco mais.

A tarde senta-se numa pedra ao sol, com um olhar perdido talvez pensando nos filhos emigrados.

Ninguém se lembra que existe, e assim vai andando esperando que a morte o leve, fechado em recordações de uma vida dificil e uma velhice igual.

Que mundo este!





quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Que dor esta!

imagem da internet
 
 
Há dores de alma, amor, paixão, de ciúmes, do corpo ...
Uns mais que outros mas todos sofrem as suas dores, umas com epílogo feliz, outras nem tanto.
Com o passar dos anos, as dores que eram pequenas ou suportáveis vão-se agravando, passando a ser mais doridas, mais insuportáveis, acomodando-se como fazendo parte de nós mesmo.
As do corpo passam a ser, minimizadas por pilulas medicinais que por vezes curam um mal e causam outro.
As dores de amor há muito se esfumaram, substituídas por companheirismo doce e insubstituível, de quem nos acompanha há longos anos, ou ausência delas devido a partida inesperada desta vida.
As dores de alma também se não curam, amenizam-se com uma lagrima, uma nostalgia que toma conta de nós e nos faz fechar o coração para o mundo que nos rodeia.
Faz-nos companhia nas longas noites de insónia ou nas tardes invernosas em que se perdem no olhar ausente enquanto sibila o vento e cai a chuva.
Mas com o avançar da idade , cai o silêncio em nós e uma nova dor nasce.
Aquela dor, quando se sentem a mais na vida dos filhos a quem tanto deram, por quem tantas lagrimas verteram, e agora uma total ausência de atenção e cuidados, muitas vezes num abandono total.
Que dor esta, sem cura e que dói e mata com a solidão!