Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

E FOI NATAL!




D.Emilia vai contando os dias que faltam para o Natal.

Nunca fora visitada pela cegonha, era apenas ela e o marido.

Naquele fim do mundo onde nasce e morre o dia sem ver família ou amigos deixa-a num frenesim na esperança de data que irá receber alguém.

Os Silvas, que moram na cantina mais perto da sua, havia combinado passar esse dia Natal com eles.

Entra e sai da loja que se situa quase colada a habitação deitando os olhos á estrada ou açambarcando toda a zona envolvente como que esperando algo de novo.

Mas não, a quietude a que já se habituara, era apenas quebrado pelos ruídos próprios do mato. Um velho cruzava a estrada de bicicleta, uma negra de capulana envolvendo nas costa uma criança de tenra idade dormitando, caminhava vagarosamente equilibrando á cabeça uma trouxa maior que o normal.

 Nada de novo, e recolhe novamente ao interior do estabelecimento, sem antes dar um palavra ao alfaiate que cadenciadamente dava ao pedal na velha maquina de costura.

- Depressa que há mais 3 capulanas para embainhares.

Ao que ele responde: - sim senhora vou despachar.

Por detrás do velho balcão de madeira que separa da grande parte das prateleiras onde se encontram as peças de chita arrumadinhas, misturadas com barras de sabão, laminas, pacotes de sal e outras coisas apreciadas pelos nativos, uma cadeira a espera.

Ali se senta até que chegue o marido que fora à machamba que sustenta os dois.

O tempo passa vagarosamente, vai recordando os Natais passados em família, numa terra de muita gente, onde a azáfama da época era bem diferente.

- Amanha para o almoço com os Silvas vou fazer um arroz de cabidela, um arroz doce e umas doçarias como as da minha terra.

Num ápice levanta-se da cadeira e chama pelo “mwana” que entrara como ajudante do cozinheiro e que também anda pelo quintal a tratar da “bicheza”.

- Do cimo da escadaria traseira que dava para o quintal grita:

Apanha esse galo pedrês e leva ao Xambo (cozinheiro da casa há muitos anos) e apanha também ovos que houver.

Ao cozinheiro vai-lhe dando as directrizes do que tem que preparar para o almejado almoço de Natal.

Procura na gaveta da papelada umas folhas soltas com algumas receitas que trouxera quando veio para África.

Amarelecida pelo tempo e uso que já tinham, a receita almejada das filhoses, foi encontrada.
Deitou mãos a obra e sem dar conta do tempo que passara, já haviam “fintado” e tendidas para no azeite corarem e caírem do alguidar de açúcar com canela.

De faces vermelhas do calor e de olhos brilhantes, leva uma a boca e fecha os olhos saboreando o gosto da saudade do Natal da aldeia.

E basta isto, não terá árvore de Natal nem presente naquele fim de mundo, mas pela manhã sente o abraço do marido e um beijo mais longo.
Ouve a missa na rádio, prepara-se para colocar a melhor toalha na mesa do almoço, e a louça guardada para estas ocasiões.
Coloca o vestido que usara na festa do último Natal e passa um batom o que já há muito não fazia.
O almoço decorre calmamente, conversam numa avidez de novidades, falam da politica, da vida, sentados ao fresco na varanda de casa enquanto o néctar dos copos os deixa felizes.

Os “mwanitas” passam a correr, brincando de um lado para o outro, e D.Emilia vai-lhes dando um “sweet” (de açucar branco com risca vermelhas), que agradecem com gritinhos e passando palavra num instante iam duplicando.

A noite foi caindo, a solidão volta, mas foi um dia diferente até que chegue  o amanha e torne a ser o que há anos era.



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