Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Aventura para o desconhecido


Há muitos, muitos anos, quando Tete  estava ainda esquecida, vivia-se num desterro onde as gentes eram poucas e as condições escassas.
Meia dúzia de brancos lutavam pela sobrevivência numa terra de poucos recursos com um clima inóspito e propicio a todas doenças tropicais sem que houvesse médicos ou medicamentos que pudessem combate-las.
No entanto os que para lá foram, jamais pensaram em sair, talvez pelo “xicuembo” que trazia no ventre o grande rio Zambeze e que os iam encantando com suas águas.
Os homens chegavam , primeiro abrindo caminho ao futuro da família, numa procura do sonho de uma vida melhor.
Arranjavam casa ou partilhavam com outros mas depressa procuravam o seu próprio sítio.
Casas ainda cobertas de capim ou zinco, chão térreo e paredes maticadas que aos poucos arranjavam de modo a rodearem-se do conforto que deixaram para trás. Uma mesa, uns bancos um armário com rede por via das moscas.
Uma cama e dois caixotes fazendo de mesinha de cabeceira. Pouco mais.
Ainda se cozinhava a lenha que se colocava sob quatro tijolos com uma grelha que segurava a panela.
Uma vida iluminada pela tenue luz do petromax..
E o tempo ia passando as cartas escasseando e os filhos crescendo na metrópole.
Casados outros solteiros, perdiam-se nos braços das nativas e tardavam a decidir entre estas e aquelas que ficaram na metrópole esperando que as chamassem.
As mulheres, muitas oriundas do interior que viviam de muito trabalho na agricultura,e que se diziam frágeis,desperavam , vendo ou adivinhando que estariam a perder terreno,  aventuravam-se num qualquer paquete cuja travessia demorava cerca de um mês, até chegarem á terra prometida que sonhavam ser melhor que a que deixavam para trás.
No mesmo barco, outras jovens iam ao encontro do marido que lhe haviam arranjado e conheceram apenas por fotografia, mas casaram por procuração sem saberem sequer a cor ou credo.
Chegavam ao porto da Beira, com um cansaço imenso tentando ver no meio de tanta gente negra um rosto branco que identificasse o homem que as esperava.
Encontravam a custo esse alguém que as levava, para mais uma longínqua viagem de comboio a carvão que parecia não terminar nunca.
O corpo dorido dos bancos de madeira, um calor infernal acompanhava-as e dentro delas a desilusão crescia, tudo tão diferente, tão longe, tanta cara desconhecida tanto negro, tanto mato, mas bem no fundo ainda a esperança de, no final da viagem encontrar o sonho de uma vida melhor, que traziam dentro de si.
Difícil enfrentar todas as vicissitudes, nada havia a fazer senão seguir em frente, e adaptavam-se, engolindo mais lágrimas que risos, mas com uma férrea vontade de vencer.
Deitavam mãos á vida e resolviam seus problemas um a um conforme iam aparecendo.
Ao seu serviço deixavam um "mwana" que se encarregava de transportar a água,  do rio para casa, em duas latas, enfiadas num pau que carregavam as costas num vaivém sem fim. Acendiam o fogo logo pela manhã para a senhora fazer o mata-bicho do patrão que abalava de seguida.
A solidão, o medo de ficar sós, as lembranças da terra, faziam quebrar as vontades, mas regressar seria pior. Portugal vivia tempos conturbados onde a fome já existia e o trabalho era muito e a paga nenhuma.
Aos poucos iam conhecendo as esposas de outros, que lhes transmitiam os saberes já adquiridos pela chegada primeiro aquelas terras.
Espertaram para desenrascarem-se, não fosse o zum zum que corria e o modo de olhar quando passava, um olhar de pena que não entendiam até se aperceberem do envolvimento de seu homem com as “manacajes”, que tendo sido preteridas para segundo plano faziam questão de lhes dar a saber da sua presença ou dos filhos que tinham frutos desses amores, negados sempre pelos companheiros.
Mas lutaram, e com a perspicácia de mulher, impunham-se, conseguiram vingar e vencer esquecendo todo um passado e fazendo daquela terra o seu presente e o seu futuro.
Ali criaram seus filhos, viram a cidade crescer, e fizeram história de vidas,  por tantos esquecidas.
Hoje de rugas no rosto, e após terem regressado as origens devido a uma guerra politica imposta e que ninguem ficou a ganhar, resta-lhes recordar muitas vezes de lagrima no canto do olho, e transmitir as vivências aos netos.



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