Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A arca da saudade




A arca da saudade
O enxoval primorosamente bordado e as laçadas infindas da linha nr. 60, com que se ia fazendo as mimosas rendas que um dia orgulhosamente iria decorar os móveis da casa nova da noiva, já pediam sítio para serem guardadas.
A troca de riscos (desenhos para bordar) de lençóis e toalhas que se fazia à tardinha após terem sido copiados das revistas compradas na papelaria do Jacinto Robalo, o ponto ajur, o matizado, que não fosse feito a preceito tinha a certeza da Irmã Doroteia mandar desmanchar, faziam um encadear de momentos inesquecíveis.
A colcha de seda comprada no Christos Luscos, o jogo de atoalhados do Valy Ossman, os panos da louças com bordados com as linhas da casa Bega etc.
Era então quando se recorria as lojas locais procurando as malas de lata que chegavam da Metrópole cheias de mercadoria e  eram vendidas por 150.00 escudos.
Estas, após forradas primorosamente com uma chita das baratinhas, iam enchendo de alvos lençóis e outras peças de muito valor sentimental.
Assim se iam acumulando pedaços de vida que nos acompanharia para sempre.
Com o passar do tempo as simples malas de lata já atafulhadas foram passando de moda e começou a corrida as malas mais bonitas e trabalhadas.

A novidade eram as malas, chinesas com madeira trabalhada e no tampo a imagem em madrepérola de gueixas e paisagem  do oriente, mas estas deixavam um cheiro a canfora que de todo não era o mais agradável para muitos, eis senão quando graciosamente aparecem as malas talhadas com mão hábeis de macondes cuja arte se estendia a tudo que era feito  em madeira preciosa de Africa.
Foram as minhas eleitas, eram diferentes e não deixavam cheiro.
Transferi todo o meu “tesouro” para dentro delas, prenhes de peças cheias de histórias, que ciosamente guardo sem as usar, acompanham-me até aos dias de hoje.
Quando as abro recordo cada peça e ponto que guarda, inevitavelmente a "mestra" Irmã Doroteia e cada pessoa que entreviu, cada minuto do tempo despendido, ao que chamo graciosamente as arcas de saudades.
Há dias passei numa feira de velharias e lá estavam cheias de pó, á venda por meia dúzia de patacos, imaginei que o dono tivesse perdido a alma e deixasse de ter passado pelo que deixou de precisar de o ter tão bem guardado.

2 comentários:

Manuela Gonzaga disse...

tão bonito...

F. J. Branquinho de Almeida disse...

Belo e sentido texto!Gostei muito!
Uma Arca repleta de saudades.....valiosas!