Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A matiné de domingo.


A vestimenta normal do residente em Tete, era o calção ou calças compridas a balalaica, e as senhoras vestidos simples de tecido fresquinho, salvo quando algum evento obrigava ao odiado fato e gravata, apesar das damas continuarem á fresca apenas a alterando a qualidade do tecido, fazendo um “up grade” no material.
O povo local já  estava habituado no entanto os mwanas que desciam do outro lado da cidade “temba” ou de aldeias mais próximas quando se constava que iria haver “festa” tal como bandos de pardais por ali andavam rondando as gentes ”mezungos” á cata da moedinha.
Era hábito domingueiro a ida á matiné, fosse no Cine S.Tiago ou posteriormente no Estúdio 333, que pela manhã corriam os filmes indianos que demoravam 3 horas ou mais mas fazia a delícia dos apreciadores, á tarde as “coboiadas” mesmo que o filme fosse uma reprise da noite anterior.
Era bastante concorrido pela juventude que como diz a música Brasileira, “no escurinho do cinema” de mãos dadas, dava lugar aos namoricos mais escondidos, mesmo ali ao lado dos progenitores que as acompanhavam pensando que com eles estariam protegidas dos “magarefes” dos militares, o que grosso modo nunca acontecia.
A esplanada do Dominó, café sito mesmo ao lado dos dois cinemas, enchia normalmente as mesas de gente que petiscando os amendoins e os tremoços acompanhados das cervejinhas, era normalmente o ponto de encontro de todos quer fossem ou ao cinema, os mais velhos “partiam cascalho” (conversavam) como dizia um amigo meu, tendo sempre por companhia o simpatico Torrão, dono do café, e os mais novos “catrapiscavam” em redor combinando com olhares ou gestos disfarçados os encontros da matiné.
Assim era vê-los na fila da bilheteira, combinando o esquema para comprar os bilhetes lado a lada, e quem aturava tudo isto, Luís Ferreira que do outro lado do “guichet” com jeitinho lá ia fazendo as vontades ajudando ao esquema pré-combinado.
Primeiro entravam as famílias e suas filhas, quando a luz apagava e começavam os documentários (filmes sobre o que se passava na Metrópole, á época) então sorrateiramente entrava o resto do pessoal.
Acontece que numa dessas tardes, uma casal recém-chegado á cidade desconhecendo ainda os hábitos da terra, decidiu ir á matine, como o faria na Metrópole donde havia chegado, exibindo uma “toilette” á maneira.
Com ar altivo de “Jet Set” o cavalheiro e esposa provocam á chegada um grande alarido, que fez com que toda atenção da esplanada se fixasse neles, motivando aquela conversinha de “coscuvilheira”, enquanto os mwanas que por ali andavam começam a rodeá-los de olhos arregalados:
Ué, quê isto, parece corocoro comentava um mwana.
 Dizia outro: Tu ser burro, é pende!
Isto porque a madame trazia um lindo vestido coberto de lantejoulas.!
As senhoras  com uma pontinha de inveja ou não, comentava:
-Será possível com este calor?
E lá foram ver o filme.
Quando terminou a sessão, á saída todos pasmaram, em frente ao cinema, estavam mais de 100 miúdos querendo ver com seus próprios olhos que peixe seria.
Até hoje não conseguiram acertar:
Seria  corocoro ou pende! *.
E por ali ficaram as gentes nos comentários, não do filme qua acabavam de ver mas na cena passada nessa tarde de domingo.
Muitos anos depois tive a oportunidade de regressar a Tete, parei em frente aos cinemas, hoje encerrados e destruídos, apenas fechei os olhos e relembrei tantos dos momentos bons passados.

Na foto que tirei  uma velhinha corcunda da idade, atravessava toda a frontaria do local onde outrora fervilhava de casos como o que relato, era o sinal evidente de  que esse  tempo já passara há muito.
De sorriso nos lábios concordei que apenas restam as memórias desse tempo.
*corocoro e pende- Peixe do rio Zambeze

1 comentário:

Manuela Gonzaga disse...

que delicia! Essa deve ter sido antes do nosso tempo porque não recordo a história da senhora vestida de peixe ahaha