Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

domingo, 21 de junho de 2015

O RADIO .

Ontem entrei na sala de estar da minha mãe para recolher as orquídeas que estavam junto a janela, aproveitando para me sentar um pouco no silêncio que ali se fazia.

Lá fora máquinas de corte de lenhas para o inverno e outras que tal deixavam no ar um cheiro pouco agradável e um ruído infernal, mas os vizinhos tinham que fazer as suas vidas.

Sentada no sofá senti-me confortada não só na paz como no fresco que ali fazia, enquanto passava os olhos pelas fotos antigas que enchem paredes e moveis recordando presenças passadas e presentes.

Ao lado do sofá um velho radio que meu pai comprara quando nasci, e que desde sempre me acompanhou pela varias etapas da vida.

Acompanhou sempre a família desde o Zobué onde iniciaram a vida, depois Moatize e por fim Tete.

Disse por fim mas apenas referindo-me a Africa pois que ainda está connosco extremamente bem estimado.

É um radio ainda a válvulas, e enquanto ali sentada fui recordando as vezes que ainda pequenita tentava mexer nos botões e de seguida era repreendida com um “não se mexe”, até mais crescida nas tardes em que meu pai se sentava junto a ele sintonizando-o para ouvir a noticias da RSA.

Era o nosso meio de ligação ao mundo que ainda desconhecido para nós era imperativo saber o que se passava.

Quando acabavam as notícias era a música que invadia a sala, uma música calma harmoniosa que deixava meu pai de olhos semicerrados numa paz descansada dos afazeres do dia.

Na sua ausência  pela tardinha la estávamos em redor do radio para ouvir a rubrica de discos pedidos, transmitida pela emissora de Tete. Eram os recadinhos especiais que ao tempo não poderíamos dá-los directamente, e utilizávamos nomes em código.

Lembro-me que uma vez levei um puxão de orelhas do meu amigo Luis Filipe pois reconheceu no pseudónimo do pedido a minha mensagem a alguém. Ainda hoje não sei como a descobriu, mas era coisas da juventude.

Enquanto me ia lembrando destas peripécias, olhei para o radio que devidas as modernidades há muito não tocava e deu-me uma curiosidade imensa de pô-lo a funcionar.

Liguei a ficha e fui rodando os botões, dois, um de cada lado do aparelho enquanto o som roufenho ia invadindo o ar até que consegui apanhar uma emissora local, a radio SIM.

Como habito esta emissora transmite músicas antiquíssimas, daquelas que já se haviam apagado da memória, e deixei que Tony de Matos cantasse como há muitos anos quando da sua visita a Tete que me autografou um postal sentado no café do Hotel Zambeze e que me custou um grade raspanete pois fora indecoroso uma menina ir ter com um homem desconhecido num lugar público.

Era assim naquele tempo, alem de uns tabefes de minha mãe fiquei com o postal confiscado e nunca mais o vi. O mais certo foi ter acabado rasgado no caixote do lixo.

Voltei ao estado sossego da sala de minha mãe onde continuava Tony de Matos a cantar “Vendaval passou, nada mais resta” numa voz roufenha que o radio alterara talvez por ser a válvulas, não sei.

Pois bem, devido a minha demora entrou na sala minha mãe admirada por ter o radio a tocar, e sentou-se a meu lado.

Quase jurava que do outro lado o lugar estava ocupado pelo meu pai, como tantas vezes acontecia no passado, e as saudades e lembranças são muitas, já os olhos de minha mãe tinham brilho a mais devido a uma lágrima que teimava em aparecer.

Desligo o radio e ainda ali ficamos um bocado só as duas a recordar lindas passagens da vida.


O radio, esse ficará para sempre na família e um dia quando lerem estas linhas os mais novos saberão como e de onde veio esta relíquia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Maravilhoso! Maravilhosa Mimi que dá vida as palavras desta maneira! Até o cheiro das orquídeas senti, como se o tivessem!