Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sábado, 11 de janeiro de 2014

OS CANTINEIROS

imagens da internet

A poucos quilómetros de D. Emília, quase na fronteira com o Malawi outro casal tinha a sua cantina.

Ferreira, casado com Ana mulher baixinha e rechonchuda para ali foram há longos anos.

Inicialmente tiveram uma cantina bem mais perto do Zobué, ali nasceram os dois filhos, António e Mariana, criados entre os mufanas da terra até a idade escolar.

Uma casa pequena e uma loja igual davam o sustento da família.

Não tinha água canalizada, nem luz. Diariamente um trabalhador transportava água carregando duas latas penduradas num pau que assentava nas costas.




A luz era de candeeiro a petróleo e velas. Por isto se deitavam cedo e madrugavam.

Ferreira tinha um camião que fazia transporte do milho para o destino da venda efectuada e Ana, tomava conta da loja e das crianças.

Como todas as cantinas, esta também era isolada, de manha á noite apenas conviviam por as gentes das aldeias indígenas em redor.

Ali se dirigiam diariamente com as crianças a reboque, umas pela mão, outras nas costas acomodadas pela capulana surrada que já servia desde a última colheita do milho.

Compravam essencialmente óleo, sal e açúcar, de vez em quando, e já quando as crianças começavam andar, umas cabedulas para o menino ou um vestido para a menina. Era o alfaiate que sentado a porta da loja, as cozia.

Na falta de dinheiro iam fazendo a troca, basicamente do milho.

Apos a colheita levavam á cabeça em sacos de serapilheira e vendiam ao cantineiro que nessa altura num extremo da varanda exterior da loja ali fazia o negócio.


A medida era uma lata de gasolina de 20litros, em troca de determinada quantia ajustada.




O milho era deitado na lata, abanado e batido, depois rasado por baixo, para render no preço.

De nada valia o "refilanço" dos negros, afinal por ali não havia concorrência.

De notas na mão, logo ali deixava boa parte, pois encostavam-se ao balcão e emborcavam uns copos dum vinho mais que rebaptizado acabando por dali sair muitas vezes cambaleando.

Nessa altura faziam as compras do ano, cabedulas novas e camisa para ele, talvez desse para a mulher comprar a capulana nova, ou um fio de missanga que depois sentada á sombra da mangueira ia enfiando as contas até fazer o “chibante” que tanto gostavam.

E assim ia passando os dias, até que chegou a altura de António e Mariana irem a escola.

Como ainda era distante, fizeram uma carrocinha com duas rodas puxada pelo negro mais forte do sítio e pela manhã levava os meninos á escola.

Ficava a espera que esta terminasse até regressarem novamente do mesmo modo a casa.
Diariamente assim fizeram, até que chegou a altura de terem que ir estudar para a cidade.

Os pais de Ana viviam em Lourenço Marques e foi para lá que foram os meninos.

A solidão caiu em casa, faltavam os gritos das crianças e a saudade ia apertando, contavam diariamente os dias que faltavam para as férias.

O velho radio a pilhas, ia fazendo a sua função, informando-os e distraindo-os com as musicas que passavam, unica coisa que os ligava ao mundo.

O tempo foi passando, e decidiram comprar uma outra cantina mais perto da fronteira com o Malawi onde o negócio seria mas prospero.

Assim fizeram e mudaram-se para lá deixando naquela um rapaz que haviam mandado vir de Portugal.

A nova cantina era maior a casa mais acolhedora com a perspectiva do negócio com o lado de lá.

Apesar de correr bem a vida, a solidão era maior, pela manha apenas os macacos se ouviam até que com o andar das gentes estes recolhiam á montanha.

Raramente os amigos os visitavam, mas quando acontecia era uma festa.

Matavam o melhor galo da capoeira, fazia biscoito no forno a lenha, a assavam os enchidos que fizera quando da matança do porco, o que não deixara de fazer porque ajudava no sustento da casa.

A geleira a petroleo la estava para isso.

E conversavam até altas horas, jogavam as cartas até o sono não deixar, e deitavam-se felizes.

A visita e tudo que se falara dava para conversa de meses após ficarem novamente sós.



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