Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

ATÉ SEMPRE MARIA ODETE

Quero recordar-vos assim.


Ainda estou incrédula, a noticia do desaparecimento de mais uma amiga do coração doeu como ninguém imagina. E as recordações vieram todas à cabeça.

A mãe era minha madrinha de batismo, mulher maravilhosa que vivia com toda a família numa casa ao lado da loja que tinha no Mussacama.

Em frente um grande largo por onde passava a estrada e onde uma enorme mangueira fazia a delicia dos “moanas” e a nossa também que nos lambuzávamos com as mangas amarelinhas e doces.

Era um lugar só, apenas as gentes autóctones se via diariamente.

Nos dias da carreira que fazia entre Tete e Zobué, conduzida pelo Sr. Matos pessoa anafada mas sempre bem disposto era o único branco que víamos semanalmente.

Era ele que trazia o correio que ligava esta gente a um mundo longínquo bem como alguns bens alimentares escassos no lugar pois não havia loja nem supermercado que valesse.

Foram passando os anos, ou nós lá ou eles em Tete, era uma família autêntica apesar de na verdade não era.

Nas férias em Tete nada se passava, então era para lá que íamos pois juntava-se uma malta que brincadeiras não faltavam.

Só da minha madrinha era cinco mais duas de ferias, era maravilhoso.

Tinham um cozinheiro chamado “Chambo” que nos aturava quando nos lembrávamos de invadir o seu espaço com um grande fogão a lenha, e inventávamos todo o tipo de cozinhados muitas vezes intragável, enquanto o velho cozinheiro a um canto abanava a cabeça resignado com os meninos no seu espaço privilegiado.

Inventávamos sim para passarmos os dias nas marotices e gargalhadas.

A entrada da casa havia uma varanda fechada, local escolhido para durante a hora após almoço quando o sol era quente, jogarmos as cartas numa batotice incrível, mas logo baixasse o sol la íamos para o quintal correr atrás das galinhas etc.

Seguindo esta entrada da casa uma enorme sala de jantar onde à luz do petromax nos entretínhamos com o jogo do loto ou qualquer outro, a feijões.

Logo ao lado a sala de visitas, alto que ai era para as noites finas, quem não achava muita graça era a minha madrinha pois deixávamos tudo fora do lugar.

Abríamos uma arca de onde tirávamos vestidos que já não usava e um xaile preto também já coçado pelo tempo.

Sentadas nos sofás o teatro começava, normalmente era a Odete que cantava o fado, a luz das velas após apagarmos o petromax que deixava o resto da casa as escuras.

Mas era ou não era a sério e o ambiente estava criado.

Quem não pertencesse ao elenco ficava no sofá a aplaudir e ao acabar o sarau já minha madrinha e marido se tinham ido deitar fugindo à nossa loucura.

Dormíamos todas no mesmo quarto o que quer dizer que dormir só muito mas muito tarde entre partidas e guerra de almofadas.

A Marília que é da minha idade, num dia mais quente enchemos a banheira, mas queríamos tomar um banho como víamos nos retratos das revistas, ou seja com muita espuma, vai daí e tomamos mesmo mas com a espuma de um pacote de Omo que quase despejamos todo.

Enfim eram ferias maravilhosas, corríamos todos os cantos da loja, púnhamos o alfaiate que sossegado trabalhava na varanda da loja a fazer vestidos etc para as crianças.

Sim porque um dos prazeres que tínhamos era percorrer livremente as aldeias indígenas, e se tivesse nascido algum bebé, levávamos pano, sabão açúcar e sal à mãe.
Em troca faziam questão de nos presentear com colheres de pau e outras coisas que trabalhavam em madeira com a velha faca afiada numa pedra.

Devo dizer que esta permuta era de total desconhecimento da minha madrinha .
Ela ficava na loja e o marido saía logo pela manhã para uma pomar de doces laranjas e outras frutas que tinha bastante afastado de casa e por esse razão fugíamos a esta incursão por carreiros feitos pelos próprios ao passarem mato fora.

Sei lá que mais fazíamos, tudo, andávamos á solta felizes até o dia que meu pai nos ia buscar.

Que boa recordação tenho destes tempos, ferias no meio do mato mas as mais felizes que tivemos.

Regressamos a esta terra e espalhamo-nos, deixamos de nos ver.

Ainda abracei e estive com a Suzete que vivia feliz com os filhos em Campo Maior. Tambem faleceu.

O Carlos penso estar ainda no Brasil.

A Marilia, fomos a casa uma da outra, nesse tempo foi como que um Adeus  à minha madrinha pois faleceu sem mais a ver, ela está diz-me um amigo vizinho, bem.

O Fernando foi para a tropa, lá se encantou por uma moça e foi para o Brasil onde faleceu.

Agora tu Maria Odete também partiste, quase não quis acreditar pois esperava encontrar-te um dia para matarmos saudades.

Tanto há ainda para contar e recordar daqueles tempos que quase dava para escrever um livro, mas Deus chamou-te para junto de todos os teus, na certeza que contigo levas os bons momentos desta vida.

Mais uma estrela brilha no céu.

Até sempre.





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