Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

ERA UMA VELHINHA


entrada de casa



Era uma velhinha, tão velhinha como a casa onde morava que para entrar tinha que se equilibrar nos dois degraus que tinha.

Dizia ela que quando foi construída a porta rasava o caminho, depois com as modernices fizeram a rua e ficou a casa "pendurada" parecendo mais uma janela.

Caminhava rua acima,devagar, apoiada na bengala que a amparava os passos vagarosos e curtos, de quando em vez parava, encostava-se a um qualquer muro para descansar.

Arfava sob o calor que fazia, mas tinha que ser, era no centro de dia que almoçava.

Alguém passou também apressado fugindo ao calor, e vendo a velhinha, perguntam se precisava de ajuda , mas do bolso do velho avental havia tirado o lenço já amachucada das vezes que usara para limpar o suor que lhe caia em bica enquanto acena com a cabeça como que dizendo que não agradece, já estava habituada a fazer este  sacrificio havia muitos anos.


Lá foi fazer mais uma etapa até que chegou à porta de casa, equilibrando-se nos pequenos degraus e agarrada ao canto da parede já gasta das mãos dela se apoiar, apressou-se abrir-la, para fugir para o fresco do interior onde morava havia anos, alias  do tempo de seus avós.

Já dentro de casa , dá a volta ás chaves ainda de fechadura antiga, não fosse algum estranho atrever-se a entrar.


Não era o medo do que pudessem roubar, pois vivia entre moveis de pouco valor e louça de barro e vidro, pouca, pois com o tremer das mãos deixava-a cair ao chão partindo-a,
mas com medo que esses malvados lhe fizessem mal.

Viam-se por ai tantos malandros...

Pousa a bengala no canto e senta-se na cadeira surrada que tem à entrada da sala junto ao fogão de lenha que a aquece no inverno e que sempre usou, para descansar, fecha os olhos e num instante adormece como acontecia sempre que chegava da rua cansada.


Pela fresca abre a porta ou senta-se no pequeno degrau á conversa com a vizinha ou com quem passe.

Já lá iam muitos anos, que à mesma hora tirava do bolso um pequeno canivete com que descascava uma fruta e a migava antes de a meter à boca pois há muito não tinha dentes, talvez fosse o seu jantar.

Quando o sereno da noite chegava recolhia ao quarto, deitava-se com o rosário na mão e ia rezando, normalmente numa luta para que o sono não chegasse enquanto não o terminasse , mas por vezes acabava por rezar apenas o primeiro mistério.

Assim vivia dia a dia até que o senhor a chame para junto dos seus que já haviam partido há muito.



A velha casa com degraus muito esquisitos que há anos lhe fizeram para a ela  ter acesso desperta atenção de todos, como é possível com tão proveta idade ainda se equilibrar nos dois degraus tão pequenos e estreitos.

E assim vai vivendo esta velhinha.

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