Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Viajando por Moçambique -Part III



Após o almoço e de estômagos mais aconchegados, comecei a ver tudo com outros olhos, a paisagem luxuriante lá estava, os laranjais, afinal Chimoio era o centro da comercialização de produtos agrícolas e tabaco.

Alguém comentou comigo que bem perto havia grandes plantações de flores que exportavam, fruto de trabalho de alguns agricultores Rodesianos que optaram por sair daquele país para se estabelecerem por ali.

Vila Pery merecia mais tempo de visita, ficava por ver a velha Chicamba real, recordar mais que não fosse a maravilhosa vista do lago lá de cima do miradouro.

A cabeça do velho estava com a mesma espectacularidade de sempre, formação rochosa que ficou indiferente ao passar dos tempos.

Era um ponto de referência para quem viajava ate aquelas paragens.



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                                                        Estrada Vila Pery-Tete

Partimos, pela velhinha EN102 que tantas vezes fiz, a paisagem vai mudando ao longe apenas capim alto e micais secas estendem-se por todo, aqui e ali palhotas marcam o local de vivência dos povos locais, e as “malambeiras “ que nos acompanham já há longo tempo.
Avista-se  as formações rochosas que fazem fronteira com a ex Rhodesia, hoje Zimbabwe.

Encosto-me fecho os olhos e recordo aquele belo país onde residi e fui tão feliz- A Suiça Africana.

Convicta que todo o caminho seria uma pista, deixei-me ficar aninhada no meu canto, mas aí é que me enganava, havia zonas boas outras com imensos buracos o que nos obrigam a ficar de olhos abertos até encontrar o melhor piso para passarmos.

Questiono-me como transita as gentes entre o planalto verdejante do Chimoio onde se vão abastecer de bens alimentares  a cidade de Tete.

Mais uns solavanco e adiante, Vila Gouveia agora Catandica ,zona rica do Barué, vem-me á memória os vastos cultivos de girassol e a loja do Valy Ossman. 

Vila simpática onde se sentia a leveza diáfana do clima tropical de altitude.


Aproxima-se o Guro, local ligado para sempre a família Serras Pires, uma casa cheia de gente, comandada pela matriarca D.Maria, sempre pronta a receber toda a gente.

Noutros tempos, uma  paragem, obrigatoria pela amizade destas gentes, hoje pouco ou nada resta da imagem de outrora.
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Quase me parece ver atravessar a estrada a professora baixinha e loira que nos últimos anos, destacada, dava aulas na escola local, se não me trai a memória chamava-se Teresa.

Ainda namoriscou um amigo, já desaparecido, grande companheiro do Jacinto Robalo e que me apresentou, nas escadarias do velho cine S.Tiago. numa das visitas a Tete

Mas não, por ali também passou o abandono e desleixo que destruiu tudo que de maravilhoso tinha aquela casa nos tempos áureos, de cor branca e  imensas flores quebrando a monotonia da paisagem.


Aceleramos em direcção a Changara, a estrada melhorava o que nos ajudava a recuperar o tempo perdido anteriormente.

A noite caía rapidamente e havia ainda muito chão para andar.


Changara, para muitos nada dirá este nome, mas para mim que tantas vezes por ali passei, olho desolada e apenas resistem os velhos embondeiros.

A casa do chefe do posto, pai da Fernanda e do Carlos Jacinto, as outras casas, já lá não está.

Talvez pela noite que já baixa eu as não veja, mas devem estar ainda no mesmo sitio, ou será que me responde Julius Kazembe , no seu poema


Changara
 Engoliram luas as crianças de Changara
Os olhos delas são pássaros tristes sem voo
que no desespero da fome acumulada
comem estrelas como se fossem grãos de milho.
Quando as sementes secaram nos campos
e o sangue secou nas veias dos rios
e a seiva secou nas veias das plantas
e o sol secou os celeiros da aldeia,
serpentes famintas silvam em volta
do peito cindido. Uma toupeira chora
ao frémito dos embondeiros. Grave,
arde sobre a erva amarga a dor:
Das luas engolidas pelas crianças

quantas tardará a ecoar nos jornais?



(imagens da internet)

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