Ontem
fiquei a olhar para a velha máquina de costura de minha mãe.
Quantas
historias nela guarda, de tantos e tantos anos companheira das horas vagas, das
tardes quentes de outrora.
Recuei
muitos anos, quando vim de Africa, em casa da minha avó, na aldeia, no
canto da sala junto a sacada virada para a rua, havia uma velha máquina de
costura onde ela se sentava nas horas vagas.
Era
o tempo de criar sete filhos, uma vida de trabalho na lavoura para que nada
faltasse em casa. Meu avô negociante de gado com bastantes terras de cultivo
tinha inevitavelmente de ter a ajuda de todos, em casa ficam apenas os mais pequenos
aos cuidados da avó velhinha.
Era
um amanhecer cedo e um deitar tarde, de inverno e de verão, desde as
sementeiras às colheitas num azáfama tal que mal caiam na cama adormeciam.
Mas
na sala ficava minha avó sentada à máquina, deitando fundilhos nas calças dos
mais pequenos, transformando a roupa dos mais velhos para os mais novos e
remendando outra.
Um
dia correu no povo que não era bom coser à noite pois aparecia a costureirinha,
personagem de outro mundo, uma alma penada que faltara ao cumprimento de uma
qualquer promessa.
Segundo
diversos testemunhos, ouvia-se distintamente o som de uma máquina de costura,
das antigas, de pedal, assim como o cortar de uma linha e até mesmo, segundo
alguns relatos, o som de uma tesoura a ser pousada. Um trabalho de costura,
portanto. O som da máquina de costura a trabalhar podia vir de qualquer parte
da casa, como a cozinha, o quarto de dormir, a sala de estar, o sótão, ou até
mesmo de alpendres, enfim de qualquer divisão da casa.
Assim deixou a costura nocturna e foi nas tardes que conseguia livres que se sentava à costura.
Eram
tempos difíceis, de racionamento de tudo, especialmente do açúcar, azeite, sabão,
farinhas etc. e havia que trabalhar para o sustento da casa.
Minha
mãe, seguindo ensinamentos aprendidos, lembro-me de sempre ter
havido também lá por casa uma máquina de costura.
Era uma máquina manual que a mãe colocava sobre a mesa
e enquanto cosia, rodava a manivela com a mão.
Tempos
depois já quando estávamos em Moatize meu pai comprou uma Singer de pedal,
linda numa mesa com duas gavetas, uma cabeça elegante com a palavra SINGER em
dourado.
Quanta
tarde passei sentada no chão a olhar para os pés de minha mãe pedalando
sincronizadamente enquanto de suas mãos saiam vestidos para nós.
E
pedia que me deixasse sentar nela e coser, parecia tão fácil mas ela não me
deixava com medo da agulha não fosse eu picar-me nela.
Mas
foi persistindo até que um dia meu pai disse:- Deixa lá a miúda tentar!
A
medo lá me sentei, quase meus pés não chegavam ao pedal mas estiquei-me toda e
dei os primeiros pontos num pedaço de pano branco.
Senti
que naquele momento crescera uns anos, já me sentia poderosa e capaz de avançar
para outras habilidades.
E
o tempo foi passando, aprendi com a minha mãe a cortar o tecido, alinhavar coser
depois ver a obra feita.
E
passávamos tardes e tardes juntas na costura fazendo depois os meus vestidos e
saias.
Mas
queria mais e aprendi a bordar num dos cursos que a Oliva ministrava, e sempre
que podia lá estava o sincronizar do pedal com o arco de bordar numas cores
vivas e lindas, em panos da louça, toalhas e lençóis.
Nessa
altura meu pai comprou uma outra máquina da marca Oliva, eléctrica, com um móvel
fechado parecia uma móvel de sala.
Mas
a velha maquina Singer ficou lá em casa, era onde eu mais gostava de me sentar
e trabalhar, era leve e havia-me habituado a ela até que me casei e um dia me
deram mesmo a máquina.
Bolas
quantas coisas nela fazia, as roupinhas dos meus filhos, os bordados nos bibes , etc.
Nunca
me separei dela e ainda hoje tem um lugar no cantinho lá de casa.
E
foi nela que minha filha aprendeu também a coser as roupas das bonecas e mais
tarde as suas.
Já
tenho outra Singer moderna eléctrica, faz mil pontos diferente, mas jamais me
vou separar da minha velhinha Singer companheira de tantos anos.
A
máquina de costura da minha avó, ela em vida disse:
-Quando
eu morrer esta máquina fica para ti.
Quis
a vida que nas partilhas dos herdeiros me não fosse dada a máquina, uma
recordação que ficou para trás, mas esta Singer da minha mãe um dia será para a
minha filha.
Sem comentários:
Enviar um comentário