Há dias sentada numa velha
escada, abaulada pelo desgaste dos anos utilizada, ouvi uma historia
passada já há muito tempo, aliás não uma historia mas uma passagem
real da vida quotidiana deste Portugal profundo.
A minha interlocutora teria
já bem perto dos 90 anos mas de cabeça coberta com um lenço preto, mas certinha recordando-se de
tudo da sua época o que quase nos transportava imaginativa mente para
esse tempo que viveu ainda cheia de forças e jovem.
Na altura em que as famílias
eram numerosas, o que fazia delas ricas pois mais braços teriam para
trabalhar, tinham o seu "buraquinho" (casa) vivendo em casas pequenas de pedra granito, feitas
com o suor do rosto de todos , quando a agricultura lhes
dava um tempinho para tal.
Inacreditavelmente
poderemos dizer com toda a certeza que era de sol a sol.
Quem me contava esta
historia da vida para denominar o cedo do dia dizia" Inda o sol
vinha da casa do diabo mais velho" expressão engraçada e
popular que não poderia continuar esta historia sem a nomear.
Assim, logo que o sol
nascia, fosse grande fosse pequeno todos se levantavam para
aproveitar o tempo que muitas vezes não chegava para tudo.
Eram as sementeiras, as
regas o lavrar dos campos, para quem os tinha ou então cedidos por
outros mais abonados mas quem o cultivasse, esse "palmo de terra"
tinha em troca a entrega de metade da produção.
Ora o mais pobre dos pobres
mais não tinha que aceitar as condições impostas. Havia mesmo quem
cedesse o gado criado a meias pelo menos algum leite pingava o café
da malga que amolecia o pão duro sebe-se lá de quantos dias, além de também ajudar na lavra, puxando o arado que esventravam as terras de sementeira.
Como ia dizendo, cedo já
o sacho e enxada se ouviam, fosse para as sementeiras ou para a
rega ,pois calhava a cada um a
partilha de mesma.
Já no fim do dia quando sol já mal iluminava os caminhos ainda se ouvia a ceitoura a cortar a erva para
o gado enquanto a canalha de calcas remendadas em cima do anterior
remendo, fazia os molhos para depois levar à cabeça para casa e
alimentar o "Bácoro" as galinhas e outros animais que
tivessem.
Contava-me a minha
interlocutora que aos mais pequenos os enterravam com uma manta velha
até á cintura e em volta um prato de feijões, era a segurança deles, não fosse o gaiato
obrigar a guarda-lo amiúde, e assim se criavam.
Não há muitos anos que eu
própria via passar as pessoas com os bebés dentro de um cesto
grande que viria depois cheio de erva para os coelhos.
À noite uma malga de sopa , tirada da panela de ferro onde havia sido colocado os legumes sobre o lume
das lareiras que existiam em todas as casas, enchia-lhes as barrigas.
Era em redor da mesa sentados nos bancos de
madeira tosca que cada um comia a sua parte,mas sem antes o pai dar graças a Deus, que aquecia os estômagos e "cama que se faz tarde".
Dormiam todos na mesma cama
em colchões de folhelho de milho e dado o cansaço nem os
incomodava, o frio, quando entre as gretas das pedras soprava.
A Escola, iam e vinham a
correr aprender as primeiras letras e chegando á 3ª classe já mais
não iam.
Enfim uma vida de sacrifícios apenas para sobreviverem dia a dia.
Enfim uma vida de sacrifícios apenas para sobreviverem dia a dia.
E como nasceu esta conversa?
Das histórias que vou
ouvindo dos mais velhos, desde que cheguei, encantava-me as lindas
portas de madeira trabalhadas, até pelo contraste que fazia com as
casas de pedra ou seja,verdade seja dita, mais casebres .
Perguntava o que era aqueles
"enfeites" que existem ainda hoje nas portas, de diversos
feitios alguns bem mais elegantes que se poderia imaginar, colocado à entrada da casa do Senhor (que com sorte nas vindimas ou na sementeira das
batatas os rogava a custo de tostão e meio) esses que naquele tempo
até tinha criados, contrastando com as portas dos mais pobres
atabalhoadas apenas para as fecharem noite fora.
De dia ainda se deixava a chave na
porta ou até mesmo aberta.
E as argolas chumbadas em
tantas paredes pelo menos mais junto á taberna?
Há isso era para prender as bestas, os cavalos ou seja os animais, que ali ficavam enquanto os donos tratavam de vida deles.
Há isso era para prender as bestas, os cavalos ou seja os animais, que ali ficavam enquanto os donos tratavam de vida deles.
É a beleza de vivermos
perto da aldeia, vamos ouvindo historias maravilhosas, verdadeiras
que eu jamais sabia que existia.
São as historias contadas por quem as viveu, o que as torna bem mais verdadeiras.
Acabou a conversa "recitando" a Nau Catrineta, poema de autor anónimo, mas belo.
São as historias contadas por quem as viveu, o que as torna bem mais verdadeiras.
Acabou a conversa "recitando" a Nau Catrineta, poema de autor anónimo, mas belo.