D. Emilia
vivia há muitos anos no interior, confinada a uma cantina do mato para onde fora
levada logo após o casamento, pelo homem que a trouxera da Metrópole num
casamento por procuração.
Da sua
juventude de miséria vivida nos anos salazaristas, tudo seria melhor a ficar
por ali sem esperança no futuro. O mais que poderia era casar com um "Toinho
"que em nada lhe iria alterar a vida quotidiana do amanho da terra e do
gado para tratar.
Chegara
a aldeia o “Africano”, Jose que havia partido há anos para terras de Africa e
agora regressara exibindo toda a sua vaidade de ter vencido e viver bem.
Com ele
algumas fotos dos amigos africanos e não só, também de alguns brancos que o
acompanhavam naquelas terras.
Secretamente
trazia uma fotografia de Luis, que cansado de viver a vida africana só, e no
medo de acabar com uma qualquer preta ou mulata que o aconchegava nas noites de
cacimba, queria arranjar noiva branca.
José,
numa conversa junto a eira da aldeia, onde atarefada Emilia erguia o grão, fala
no amigo e conta-lhe como seria boa a vida se ela quisesse “noivar” o rapaz,
dando todas as boas referencias ajudando a apresentação.
Cansada
do trabalho e com a palha do centeio a picar-lhe o corpo, ouve a mãe gritar
para que recolhesse o gado que pastava por ali e de regresso “botasse” agua na
belga nas couves antes de ir para casa.
O corpo
pedia e de alma cansada, aceita que se escrevam e vão trocando letras durante meses
até que Luis lhe propõe que se case com ele.
Os pais
que apesar de não o conhecer fazem o seu juízo de valor, e aceitam e imediato
pois que melhor partido poderiam arranjar que um “Africano” bem de vida.
Num fechar
de olhos Emilia de 20 anos apenas, casa por procuração e vê-se metida num navio
a caminho do sonho de ser como a senhora morgada, dona das terras da aldeia que
tinha charrete, vivia bem numa casa grande, com pessoal amanhando as terras.
É longa
a viagem, mais o tempo que se encontra deitada por conta dos enjoos, que com o
tempo vai passando.
Até que
um dia ao longe se vê terra, seria o destino certamente pois aquele calor que
se fazia sentir, e que lhe colava a roupa ao corpo só poderia ser mesmo a “sua
Africa”.
Ao anoitecer
desembarca no porto da Beira, de olhos esbugalhados procurando o desconhecido
que já era seu marido por lei, na esperança de o localizar no meio de tanta
gente que ali estava aguardando o navio.
Um braço
esticado acena-lhe indicando a sua presença, era ele o homem que esperava
encontrar. Rapidamente recolhem a bagagem e saem do porto.
Após almoçarem
embarcam no comboio que os levaria a Tete.
Trocam poucas palavras apenas para
saberem um pouco de como havia decorrido a viagem, e indo travar-se de
conhecimentos que as cartas deixaram em branco.
No dia
seguinte, moídos da viagem descansam pela primeira vez numa pensão onde passam
a noite, onde se dão ao conhecimento intimo num casamento agora assumido.
A cidade
é pequena, poucas casas mas encantam Emilia apesar de estranhar tanta gente circulando
de tez negra, o que lhe faz muita confusão.
Ao meio
da manha, Luis chega com uma Chevrolet azul carregada de mercadoria, e leva-a para
bem no interior do mato, no Dedza, onde ficava a cantina, que seria o seu lar.
As
estradas de terra batita, o baloiçar da carrinha pelos “mecurros” até chegarem
ao destino deixam-na amedrontada e moída de cansaço.
As lagrimas
caem silenciosas, mas nada há a fazer senão seguir o curso de seu destino.
Passaram
muitos anos, Emília foi-se habituando aquela vida de cantineira, já não tinha
medo da noite nem dos barulhos, fora-se habituando aos cheiros á comida,
a tudo.
O seu
homem tratava-a bem, aprendeu a ama-lo, ajuda no que podia, e á noite já não se
sentia cansada como outrora na aldeia que deixou.
Aprendeu
a gostar dos serões á luz do petromax, da noite enrolada junto a ele com medo
dos ruídos da noite.
Ao domingo
sentavam-se na varanda nas cadeiras de lona olhando a serra, ouvindo a radio, única
ligação ao mundo exterior, ou desciam a povoação onde deixavam e lavavam o
correio.
O tempo foi passando, e continuava D. Emilia sentada na varanda da casa á tardinha, olhando
o infinito talvez tentando ver a aldeia de onde saíra, num silêncio profundo
apenas quebrado pelos sons de Africa, que passaria pela cabeça de D. Emilia?
Seria ela agora como a senhora morgada lá da terra?