Há dias soube da morte de um
velho residente e amigo dos tempos áureas de Moçambique, e falando com a minha
mãe recordamos tempos passados que já se esfumara nas brumas da nossa memória.
Não irei citar nomes por
respeito a uma amizade de muitos anos
Chegara da metrópole com muito
pouco quase nada, mas nos braços dele e da esposa uns três filhos magritos de
cabelo despenteado que se escondiam por detrás das saias da mãe.
Chegaram chamados por alguém que
sabendo da precaridade da época em Portugal, lhes arranjara uma carta de
chamada para que viessem procurar uma vida melhor naquela que chamavam a terra
da árvore das patacas.
Mas assim não era, se existia as
árvores das patacas teriam que ser cada um a semeá-la para que depois colhessem
o fruto, muitas vezes bem amargo, outras doces.
A família instalara-se numa casa
bem rudimentar sem água nem luz, e começaram a vida, enquanto ele pegara ao
serviço como pedreiro.
E trabalhava desde que o sol
nascia até que se punha e aos poucos foi juntando parte do que ganhava numa
lata de farinha que escondia em local só ele sabedor.
Ninguém passava fome, mas a
fartura também não existia, a esposa ciente das dificuldades da vida ia
esticando a vida como só ela sabia.
Pela manhã, era com chá e pão
seco que alimentava os filhos, valia-se das hortaliças que a vizinhança partilhava
para alimentar aquelas bocas.
Aos poucos melhoraram a vida e compraram um terreno,
e o calvário da família começou.
Começaram por uma casa de pouco
tamanho e poucas divisões, e foram empatando as poucas poupanças na compra
dos tijolos e do cimento.
Na altura ele andava a construir
um muro grande no centro da cidade, muitas vezes os tijolos caiam e partiam
ficando espalhados pelo chão.
Á noite pegava nos filhos mais velhos e com uma
carroça limpava todo o resto que ficara do dia e levava para casa.
Foi juntando mais material que bom jeito dava.
O gaiato mais velho todos os
dias pela manha e pela tardinha, levava um burro ao rio e regressava com ele
carregado de latas cheias de água, e fazia a viagem várias vezes até encher o
bidons que o pai havia colocado junto á obra.
E pela noite dentro, á luz do
petromax todos ajudavam a subir aquelas paredes.
E conseguiram, uma casa de varanda
a toda a volta, onde mais tarde se sentava a descansar ao domingo, olhando
orgulhoso para os filhos.
Brinquei muitas vezes nela com
as filhas.
Passados anos ainda construiu
outra casa bem junto a avenida que lhe rendia algum dinheiro extra nas rendas.
Conseguiu o que queria, vida estabilizada,
filhos estudados e criados e família feliz.
Depois, sim anos depois a descolonização
tudo lhe tirou e regressou a Portugal exactamente com o mesmo que levara quanto
partiram, só a idade era mais e as forcas eram menos.
Deixei de saber deles durante um
tempo, mas quando da festa do encontro Tetense em Viseu encontrámo-nos
novamente num abraço enorme de saudades dos tempos de Africa.
Sentados no Rossio recordando
velhos tempos a conversa com a minha mãe terminou assim:
-D. Augusta, fiquei sem nada mas consegui
ainda construir a minha casinha aqui em Portugal.
Se há heróis nesta vida, eles
são estes homens e mulheres.