Ontem entrei na sala de estar da minha mãe para recolher as orquídeas
que estavam junto a janela, aproveitando para me sentar um pouco no silêncio
que ali se fazia.
Lá fora máquinas de corte de lenhas para o inverno e outras que
tal deixavam no ar um cheiro pouco agradável e um ruído infernal, mas os
vizinhos tinham que fazer as suas vidas.
Sentada no sofá senti-me confortada não só na paz como no fresco
que ali fazia, enquanto passava os olhos pelas fotos antigas que enchem paredes
e moveis recordando presenças passadas e presentes.
Ao lado do sofá um velho radio que meu pai comprara quando
nasci, e que desde sempre me acompanhou pela varias etapas da vida.
Acompanhou sempre a família desde o Zobué onde iniciaram a vida,
depois Moatize e por fim Tete.
Disse por fim mas apenas referindo-me a Africa pois que ainda
está connosco extremamente bem estimado.
É um radio ainda a válvulas, e enquanto ali sentada fui
recordando as vezes que ainda pequenita tentava mexer nos botões e de seguida
era repreendida com um “não se mexe”, até mais crescida nas tardes em que meu
pai se sentava junto a ele sintonizando-o para ouvir a noticias da RSA.
Era o nosso meio de ligação ao mundo que ainda desconhecido para
nós era imperativo saber o que se passava.
Quando acabavam as notícias era a música que invadia a sala, uma
música calma harmoniosa que deixava meu pai de olhos semicerrados numa paz
descansada dos afazeres do dia.
Na sua ausência pela
tardinha la estávamos em redor do radio para ouvir a rubrica de discos pedidos,
transmitida pela emissora de Tete. Eram os recadinhos especiais que ao tempo
não poderíamos dá-los directamente, e utilizávamos nomes em código.
Lembro-me que uma vez levei um puxão de orelhas do meu amigo
Luis Filipe pois reconheceu no pseudónimo do pedido a minha mensagem a alguém.
Ainda hoje não sei como a descobriu, mas era coisas da juventude.
Enquanto me ia lembrando destas peripécias, olhei para o radio
que devidas as modernidades há muito não tocava e deu-me uma curiosidade imensa
de pô-lo a funcionar.
Liguei a ficha e fui rodando os botões, dois, um de cada lado do
aparelho enquanto o som roufenho ia invadindo o ar até que consegui apanhar uma
emissora local, a radio SIM.
Como habito esta emissora transmite músicas antiquíssimas,
daquelas que já se haviam apagado da memória, e deixei que Tony de Matos
cantasse como há muitos anos quando da sua visita a Tete que me autografou um
postal sentado no café do Hotel Zambeze e que me custou um grade raspanete pois
fora indecoroso uma menina ir ter com um homem desconhecido num lugar público.
Era assim naquele tempo, alem de uns tabefes de minha mãe fiquei
com o postal confiscado e nunca mais o vi. O mais certo foi ter acabado rasgado
no caixote do lixo.
Voltei ao estado sossego da sala de minha mãe onde continuava
Tony de Matos a cantar “Vendaval passou, nada mais resta” numa voz roufenha que
o radio alterara talvez por ser a válvulas, não sei.
Pois bem, devido a minha demora entrou na sala minha mãe
admirada por ter o radio a tocar, e sentou-se a meu lado.
Quase jurava que do outro lado o lugar estava ocupado pelo meu
pai, como tantas vezes acontecia no passado, e as saudades e lembranças são
muitas, já os olhos de minha mãe tinham brilho a mais devido a uma lágrima que
teimava em aparecer.
Desligo o radio e ainda ali ficamos um bocado só as duas a
recordar lindas passagens da vida.
O radio, esse ficará para sempre na família e um dia quando
lerem estas linhas os mais novos saberão como e de onde veio esta relíquia.