O
frio dá para nos recolhermos mais dentro de casa e mexer em coisas
esquecidas que dorme em sossego há quase 50 anos.
Reformada
há 2 anos e com outras obrigações que tenho, no calor não dá
para despejar uma mala onde guardo muito do que não uso.
Mais
que não fosse para arejar o que ali foi guardado na mala “demodé”
diz hoje a juventude, em canfora com gueixas em madrepérola a alinda-la, comprada no Valy Ossman há muitos anos para ali colocar o
enxoval que qualquer noiva levaria no dia do seu casamento.
Como
hoje ninguém quer casar muito menos habituadas aprender como se
borda um lençol, muito menos como se prega um botão ou se faz uma
bainha, riem-se do nosso passado onde pacientemente a Irmã Doroteia
nos ensinava.
Talvez
fosse a vantagem de ter sido sempre educada em colégios.
Em
casa ao lado da minha mãe nas tardes quentes de Africa havia sempre
uma peça de roupa que precisava um pontinho e era ao lado dela que
muitas vezes fazíamos e desfazíamos até estar impecavelmente
feito.
Ora
voltando ao inicio do que escrevi, sentei-me no cadeirão foi
tirando de dentro da mala peça por peça, sendo que muitas vezes
parei para relembrar as historias que guardavam.
Como
muitas de vós se lembra essas malas tinham um tabuleiro onde se
colocavam as minúcias que poderiam perder-se entre as peças por
debaixo guardadas.
Pois
logo aí encontro recordações mas não mexi nelas, fui primeiro a
mala em si.
Lençóis
de bainha aberta, bordados a linha de seda, feito e desfeito porque
ao meu lado a Irmã Doroteia achava não estar perfeito.
Panos
da louça e do pó, naperons de tecido bordado, rendas, colchas de
setim etc. Lembro-me perfeitamente dos instantes que de mãos
lavadas antes de iniciar qualquer trabalho e dedal no dedo. Dizia ela
que “costureira sem dedal cose pouco e em mal.” Um dito popular.
Ora
quando começo a mexer no tal tabuleiro, amorosamente estavam
guardados dois mini naprons que me fizeram vir as lágrimas
os
olhos.
Peguei
neles fechei os olhos e recordando de onde haviam vindo eles.
Quando
do meu casamento a determinadas pessoas fui pessoalmente entregar o
convite a D.Isabel Cunha. Muitos se lembrarão de quem estou a falar.
Recebeu-me
maravilhosamente conversamos imenso tempo e no meio destas conversas
frente a uma chávena de chá que simpaticamente me havia oferecido,
fala-se no enxoval ao que me pergunta se tinha algo de renda de
Veneza.
Não,
não tinha pois não era muito conhecida por aquelas terras.
Com
seu sorriso nos lábios levanta-se e diz-me:
-
Não tens mais, vais ter.
Digerir-se
a uma gaveta e traz-me dois naperons de renda de Veneza dizendo que
me haveria de dar muita sorte.
Fiquei
completamente sem palavras, apenas a abracei em agradecimento às
suas palavras e oferta que tirou dela para me dar e complementar o
meu enxoval.
Passaram
anos e nunca mais a vi mas deixou a sua marca em mim a maravilhosa
vizinha que me sensibilizou e deixou a sua marca para toda a vida.
Imaginando
que já tenha partido rezo-lhe uma oração de agradecimento e
ouvir-me-a certamente com o mesmo sorriso que nunca esquecerei.
Obrigada D.ISABEL CUNHA.