D. Zefa perdera a noção do tempo.
Seu homem
partira de Portugal há muitos anos, na aldeia deixara-a gravida de seu primeiro
filho com a promessa de manda-la ir ter com ele logo que pudesse.
Despediu-se
chorosa, prenhe de um filho e de saudades, acenava de lenço na mão, a partida
do seu amado.
Passaram tempos,
nascera a criança e sozinha ia labutando
para o criar.
De seu marido
apenas cartas esporádicas com notícias curtas sempre da dificuldade que era a
vida naquele inferno que era Africa.
Falava do
calor que fazia das terras arias e daquelas gentes de pele escura que pouco
trabalhavam , e da dificuldade de progredir para a mandar ir ter com ele.
Até que os
vizinhos a começaram a olhar de lado, questionando-a do porque de ainda não
havia sido chamada para junto do marido.
A comadre que
era mais chegada a ela, levou e foi falar com o padre, afinal naquele tempo
seria a entidade mais poderosa para a aconselhar.
Depois de
muito pensar seguiu a opinião de todos, ir ter com ele afinal já seria tempo de
a receber pois aquela vida separada não era compreensiva.
Apesar da pouca
vontade do companheiro, la fez a trouxa e partiu para um desconhecido destino
na certeza de ter a chegada o pai de seu filho.
E tinha, o que
lhe alegrou a vida mas não tanto quanto esperava.
Uma casinha
pequena a beira do rio, com uma varanda enorme bem estilo colonial e no quintal
uma arvore com frutos amarelos dependurados, que fazia uma sombra fresca e agradável,
a esperava.
Foi-se acomodando
á nova vida , aos pretinhos que por ali rondavam roubavam as mangas maduras e
brincavam por ali mesmo aos poucos tomando confiança com o filho.
Num carreiro
que ladeava a casa logo pela manhã passavam as mulheres de filhos as costas e
lata na cabeça buscando agua ao rio, deixando no ar os risinhos acompanhados de
conversas que para ela eram indecifráveis , e olhando curiosamente D.Zefa.
Estranhando aqueles
olhares de esguelha acompanhados dos tais risinhos questiona o marido, sentindo
diferente daquele homem de quando a deixara em Portugal.
A desculpa era do cansaço e do trabalho e do
calor que fazia etc. e quase nunca queria sentar-se á varanda.
Ora para D.Zefa
sentar-se á varanda olhando o rio era o melhor do seu dia e sempre que tinha um
tempo ali se refastelava na velha cadeira de lona chegando mesmo a dormitar
apos o almoço ao fresco da brisa que corria.
Descobre que
afinal, durante o tempo que estivera sozinho o marido se havia enrolado nos
braços de uma negra, dócil e bonita e de que já tivera dois filhos.
Cai-lhe uma
grande tristeza em cima e entende então o porque da demora da sua vinda para
junto dele.
E revolta-se,
procura saber a verdade mas ele sempre desmentindo, chegando mesmo a ameaça-la
de a recambiar para Portugal.
A medo não lhe
fala mais no assunto mas naquela varanda virada ao rio vai chorando
silenciosamente, nada pode fazer, regressar seria impensável pois no ventre já carregava
outra criança.
E aguentou
anos, sentir a ausência do seu homem, criando os filhos e fazendo a vida de
estomago embrulhado e coração revoltado.
Deixara de ser
a mulher esbelta que sempre foi para se deixar abandalhar num corpo flácido vestida
de chita e chinela no pé.
Perdera o brio
ou queria comparar-se á rival, mulher de grandes peitos onde o marido se
deleitava.
E os anos
passaram, os filhos partiram e quando ele começou a sentir-se doente, das dores
tomadas na caça ao cacimbo da noite, das cirroses do álcool que tomava no bar
do Melo, chegou-se mais a ela.
D.Zefa
habituara-se a fechar os olhos a tudo, e
teve pena mais dela que dele, da vida turbulenta daquela Africa a que se afeiçoara.
E numa noite de madrugada em que ele regressa de olhos
esbugalhados, arfando de dificuldade de respira, despe-o e deita-o
cuidadosamente enquanto vai a cozinha buscar uma bacia com água fresca e uma
toalha para o lavar. De caminho acorda o criado para que vá de ginga a
correr chamar o doutor.
Chega tarde, o
coração e as maleitas levaram-lhe a vida.
E fica só, os
filhos longe e ela arrastando os chinelos e de vestido de chita já debotado que
vai vivendo, e é naquela varanda onde se
senta, olha o rio, de caudal engrossado,
vai mais cheio certamente de tantas lagrimas por ela choradas.
E é uma mulata
de olhos claros que a acompanha nesses dias, olha-a com ternura achando-a
parecida com alguém , sorri talvez
ironia do destino.
E vem a guerra
todos se vão e D.Zefa ali fica na sua varanda perdida no tempo, até que um dia o rio tenha pena dela e a leve também.