( imagem da internet)
Maria caminhava só sem dar conta por onde andava, fazia frio apenas
um xaile de malha fina, caía pelas costas enquanto as mãos o cruzavam sobre o
peito num aconchego que não sentia.
O outono chegara abruptamente quando ainda os raios de sol eram
quentes e a aqueciam, ou pensava ela que sim
.
Tinha saído bem cedo de casa, caminhava a beira-rio sobre um
tapete de folhagem multicor caída das árvores que se despiam aos poucos,
abafando – lhe o ruído dos passos caminhando em silêncio e sem destino.
Pela rua prostitutas e noctívagos arrastam-se como podem num
regresso a casa tardio, com o corpo a pedir descanso.
Maria recebera de amigos um telefonema, Luís havia partido.
Mal percebia o que lhe diziam, saltando da cama, incrédula pede
que lhe repitam tudo novamente.
Partira, o grande amor de sua vida, partira como, em viagem
talvez pensava ela, e na impossibilidade de ele a avisar pedira a alguém que o
fizesse.
Sente-se sufocada, precisa caminhar apanhar o ar fresco da manhã
enquanto tenta perceber se teria sido apenas um sonho mau, mas algo lhe diz que
não.
Havia estado dois dias antes nos seus braços, gozando um amor
proibido apenas realizado entre as quatro paredes de um quarto de hotel.
Amavam-se intensamente esquecendo o mundo lá fora, não havia exigências nem cedências, era um amor dum mundo só deles e assim tinha que ser por imposição da sociedade.
Amavam-se intensamente esquecendo o mundo lá fora, não havia exigências nem cedências, era um amor dum mundo só deles e assim tinha que ser por imposição da sociedade.
Um segredo apenas a dois que durava há muitos anos, um amor que
nascera quando jovens e ao qual a vida trocou as voltas num desencontro perdido
entre a guerra.
Casualmente numa noite junto ao cais do Sodré haviam-se reencontrado
quando ela apanhava o comboio para Cascais, trocaram poucas palavras mas bastou
para avivar sentimentos adormecidos.
A vida tem destas coisas.
Durante muitos anos passaram a viver intensamente esse amor, alimentado
por uma paixão incontrolável, sem cobranças nem promessas, num universo só
deles sem que nunca ninguém tivesse sabido.
Na última noite, deitados na cama ainda quente, abraçados e
entre beijos intermináveis, Luís coloca-lhe no dedo um anel bem simples apenas três
pedrinhas quase invisíveis num aro fino de ouro branco.
Maria estranhou, pois nunca houvera troca de presentes entre
eles, e antes que o questione sobre a oferta, ele sussurra-lhe ao ouvido entre
palavras meigas:
-Não perguntes nada usa-o sempre se puderes.
Fora há dois dias apenas, ainda sentia o cheiro do aftershave nas
suas roupas, os lábios quentes quando a beijava.
Sente as lágrimas frias correrem pelo rosto, não quer
chorar apenas fechar-se nas recordações dos dias passados com ele, enquanto
olha a mão onde tem o anel, e chora.
Chora baixinho sente que parte dela definha em cada lágrima que
caí.
Regressa a casa, começara a chover e sente um frio terrível.
Afunda-se no sofá e deixa que as horas passem, quer vê-lo pela última
vez mas teme que a dor a faça revelar o seu segredo.
E no dia seguinte, bem cedo despede-se dele, quando ainda pouca
gente o velava na pequena igreja do bairro, no secretismo que sempre os envolveu sussurra-lhe ao ouvido
algo imperceptível, numa despedida sentida.
Ninguém mais viu Maria.!