Estou
perdendo com a idade, os dentes, os cabelos, a visão que já se turva, a pele
firme e clara que tinha.
Crio
sobre o lábio superior rugas, em volta aos olhos mais profundas, caem-me as
peles das faces que teimam manter-se agarradas fazendo sulcos profundos, as
mãos afiladas cobrem-se de manchas escuras, pequeninas como sardas mas aos
poucos vão cobrindo todo espaço.
Doem
as costas já curvadas, as pernas já de si cansadas, teimam em ficar sentadas.
Olho
a janela pela manhã, e o sol brilha tal e qual como antigamente, mas cá dentro
está nebuloso, ou será da minha vista já cansada.
Abro
o roupeiro de cheiro a naftalina, que protege lindos vestidos de outrora, e
procuro um bem largo e comodo que não me tolha os movimentos ao subir ou descer,
e que não me incomode com apertos.
Pelas
costas apesar de verão, coloco um xaile ou um casaco que me acomoda dum frio
que não existe mas que sinto.
Calço
aqueles sapatos já deformados, mas que não me trilha os pés nem incomoda os
joanetes que teimam em fazer-me companhia.
Olho
o espelho outrora lindo de cercadura dourada, também já lascada pelos anos.
Devolve-me
um rosto triste e um cabelo esbranquiçado que penteio devagar que o tempo é longo.
No
rosto nada de pinturas, apenas um creme que não deixe o sol ou o ar queimar-me.
Atravesso
a sala passo pelo meu retrato em cima do piano, ainda jovem linda de sorriso nos
lábios e braços longos como se abraçasse o mundo.
Não
me reconheço mas sorrio sempre como se uma companheira me esperasse diariamente
dando-me os bons dias.
Ao lado a foto de um jovem de olhos cor de mel, louro que já me partiu, pego nele e beijo docemente dando os bons dias como se ali estivesse presente.
Vou balbuciando palavras de amor perdidas no tempo como se ele me ouvisse.
Desço
as escadas até á rua, as mesmas que há anos ali estão e que juraria estarem
sempre a multiplicar-se, dada a dificuldade de as utilizar.
O
ar quente da manha já avançada bate-me no rosto, e caminho sem rumo. Vou parando
aqui e ali olhando as vitrinas ou cumprimentando alguma conhecida até ao café
do Sr. Manuel.
Ao
ver-me entrar sorri e pergunta atenciosamente:- O mesmo do costume?
Aceno
sorrindo enquanto me dirijo a mesa também do costume como se estivesse reservada
sempre para mim.
Vem
o chá e a torrada, pão de forma barrada com manteiga e “jam” de cereja, uma
atenção de quem me conhece gostos há muito tempo.
Já
não uso açúcar devido aos diabetes mas sou incapaz de dispensar o doce na
torrada, o que me faz sorrir da “maroteira”.
Passo
boa parte da manhã ali sentada, pois sinto-me acompanhada de muita gente que
não me conhece mas basta os cumprimentos á chegada para me sentir assim.
Afinal
em casa, estou só nem a vizinha do prédio vejo tal a azáfama diária de todos.
O
calor aperta e regresso a casa, levando num saco, pão e uns pastéis que entretanto
a D.Emilia da padaria me vendeu, será uma das refeições quando o apetite
retornar.
Entro
em casa, o silêncio atormenta-me e ligo o velho transístor enquanto rodopio pela
casa dando um toque aqui outro ali no que estando no seu lugar acho
desarrumado.
Por
fim sento-me na cadeira de baloiço que propositadamente coloquei em frente á
janela de onde vejo o Tejo em todo o seu esplendor, e dormito com a ideia que é
o meu Zambeze que me visita diariamente nos meus dias de saudades e me deixa sonhar.
É este o meu mundo.