Quero recordar-vos assim.
Ainda
estou incrédula, a noticia do desaparecimento de mais uma amiga do
coração doeu como ninguém imagina. E as recordações vieram todas
à cabeça.
A
mãe era minha madrinha de batismo, mulher maravilhosa que vivia com
toda a família numa casa ao lado da loja que tinha no Mussacama.
Em
frente um grande largo por onde passava a estrada e onde uma enorme
mangueira fazia a delicia dos “moanas” e a nossa também que nos
lambuzávamos com as mangas amarelinhas e doces.
Era
um lugar só, apenas as gentes autóctones se via diariamente.
Nos
dias da carreira que fazia entre Tete e Zobué, conduzida pelo Sr.
Matos pessoa anafada mas sempre bem disposto era o único branco que
víamos semanalmente.
Era
ele que trazia o correio que ligava esta gente a um mundo longínquo
bem como alguns bens alimentares escassos no lugar pois não havia
loja nem supermercado que valesse.
Foram
passando os anos, ou nós lá ou eles em Tete, era uma família
autêntica apesar de na verdade não era.
Nas
férias em Tete nada se passava, então era para lá que íamos pois
juntava-se uma malta que brincadeiras não faltavam.
Só
da minha madrinha era cinco mais duas de ferias, era maravilhoso.
Tinham
um cozinheiro chamado “Chambo” que nos aturava quando nos
lembrávamos de invadir o seu espaço com um grande fogão a lenha, e
inventávamos todo o tipo de cozinhados muitas vezes intragável,
enquanto o velho cozinheiro a um canto abanava a cabeça resignado
com os meninos no seu espaço privilegiado.
Inventávamos
sim para passarmos os dias nas marotices e gargalhadas.
A
entrada da casa havia uma varanda fechada, local escolhido para
durante a hora após almoço quando o sol era quente, jogarmos as
cartas numa batotice incrível, mas logo baixasse o sol la íamos
para o quintal correr atrás das galinhas etc.
Seguindo
esta entrada da casa uma enorme sala de jantar onde à luz do
petromax nos entretínhamos com o jogo do loto ou qualquer outro, a
feijões.
Logo
ao lado a sala de visitas, alto que ai era para as noites finas, quem
não achava muita graça era a minha madrinha pois deixávamos tudo
fora do lugar.
Abríamos
uma arca de onde tirávamos vestidos que já não usava e um xaile
preto também já coçado pelo tempo.
Sentadas
nos sofás o teatro começava, normalmente era a Odete que cantava o
fado, a luz das velas após apagarmos o petromax que deixava o resto
da casa as escuras.
Mas
era ou não era a sério e o ambiente estava criado.
Quem
não pertencesse ao elenco ficava no sofá a aplaudir e ao acabar o
sarau já minha madrinha e marido se tinham ido deitar fugindo à
nossa loucura.
Dormíamos
todas no mesmo quarto o que quer dizer que dormir só muito mas muito
tarde entre partidas e guerra de almofadas.
A
Marília que é da minha idade, num dia mais quente enchemos a
banheira, mas queríamos tomar um banho como víamos nos retratos das
revistas, ou seja com muita espuma, vai daí e tomamos mesmo mas com
a espuma de um pacote de Omo que quase despejamos todo.
Enfim
eram ferias maravilhosas, corríamos todos os cantos da loja,
púnhamos o alfaiate que sossegado trabalhava na varanda da loja a
fazer vestidos etc para as crianças.
Sim
porque um dos prazeres que tínhamos era percorrer livremente as
aldeias indígenas, e se tivesse nascido algum bebé, levávamos
pano, sabão açúcar e sal à mãe.
Em
troca faziam questão de nos presentear com colheres de pau e outras
coisas que trabalhavam em madeira com a velha faca afiada numa pedra.
Devo
dizer que esta permuta era de total desconhecimento da minha madrinha
.
Ela
ficava na loja e o marido saía logo pela manhã para uma pomar de
doces laranjas e outras frutas que tinha bastante afastado de casa e
por esse razão fugíamos a esta incursão por carreiros feitos pelos
próprios ao passarem mato fora.
Sei
lá que mais fazíamos, tudo, andávamos á solta felizes até o dia
que meu pai nos ia buscar.
Que
boa recordação tenho destes tempos, ferias no meio do mato mas as
mais felizes que tivemos.
Regressamos
a esta terra e espalhamo-nos, deixamos de nos ver.
Ainda
abracei e estive com a Suzete que vivia feliz com os filhos em Campo
Maior. Tambem faleceu.
O
Carlos penso estar ainda no Brasil.
A
Marilia, fomos a casa uma da outra, nesse tempo foi como que um Adeus à minha madrinha pois faleceu sem mais a ver, ela está diz-me um
amigo vizinho, bem.
O
Fernando foi para a tropa, lá se encantou por uma moça e foi para o
Brasil onde faleceu.
Agora
tu Maria Odete também partiste, quase não quis acreditar pois
esperava encontrar-te um dia para matarmos saudades.
Tanto
há ainda para contar e recordar daqueles tempos que quase dava para
escrever um livro, mas Deus chamou-te para junto de todos os teus, na
certeza que contigo levas os bons momentos desta vida.
Mais
uma estrela brilha no céu.
Até
sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário