D.Emilia vai contando os dias que
faltam para o Natal.
Nunca fora visitada pela cegonha, era
apenas ela e o marido.
Naquele fim do mundo onde nasce e morre
o dia sem ver família ou amigos deixa-a num frenesim na esperança de data que irá
receber alguém.
Os Silvas, que moram na cantina mais
perto da sua, havia combinado passar esse dia Natal com eles.
Entra e sai da loja que se situa quase
colada a habitação deitando os olhos á estrada ou açambarcando toda a zona
envolvente como que esperando algo de novo.
Mas não, a quietude a que já se
habituara, era apenas quebrado pelos ruídos próprios do mato. Um velho cruzava
a estrada de bicicleta, uma negra de capulana envolvendo nas costa uma criança
de tenra idade dormitando, caminhava vagarosamente equilibrando á cabeça uma
trouxa maior que o normal.
Nada
de novo, e recolhe novamente ao interior do estabelecimento, sem antes dar um
palavra ao alfaiate que cadenciadamente dava ao pedal na velha maquina de
costura.
- Depressa que há mais 3 capulanas para
embainhares.
Ao que ele responde: - sim senhora vou
despachar.
Por detrás do velho balcão de madeira
que separa da grande parte das prateleiras onde se encontram as peças de chita
arrumadinhas, misturadas com barras de sabão, laminas, pacotes de sal e outras
coisas apreciadas pelos nativos, uma cadeira a espera.
Ali se senta até que chegue o marido
que fora à machamba que sustenta os dois.
O tempo passa vagarosamente, vai
recordando os Natais passados em família, numa terra de muita gente, onde a azáfama
da época era bem diferente.
- Amanha para o almoço com os Silvas
vou fazer um arroz de cabidela, um arroz doce e umas doçarias como as da minha
terra.
Num ápice levanta-se da cadeira e chama
pelo “mwana” que entrara como ajudante do cozinheiro e que também anda pelo quintal
a tratar da “bicheza”.
- Do cimo da escadaria traseira que
dava para o quintal grita:
Apanha esse galo pedrês e leva ao Xambo
(cozinheiro da casa há muitos anos) e apanha também ovos que houver.
Ao cozinheiro vai-lhe dando as
directrizes do que tem que preparar para o almejado almoço de Natal.
Procura na gaveta da papelada umas
folhas soltas com algumas receitas que trouxera quando veio para África.
Amarelecida pelo tempo e uso que já
tinham, a receita almejada das filhoses, foi encontrada.
Deitou mãos a obra e sem dar conta do
tempo que passara, já haviam “fintado” e tendidas para no azeite corarem e
caírem do alguidar de açúcar com canela.
De faces vermelhas do calor e de olhos
brilhantes, leva uma a boca e fecha os olhos saboreando o gosto da saudade do
Natal da aldeia.
E basta isto, não terá árvore de Natal
nem presente naquele fim de mundo, mas pela manhã sente o abraço do marido e um
beijo mais longo.
Ouve a missa na rádio, prepara-se para
colocar a melhor toalha na mesa do almoço, e a louça guardada para estas
ocasiões.
Coloca o vestido que usara na festa do último
Natal e passa um batom o que já há muito não fazia.
O almoço decorre calmamente, conversam
numa avidez de novidades, falam da politica, da vida, sentados ao fresco na
varanda de casa enquanto o néctar dos copos os deixa felizes.
Os “mwanitas” passam a correr,
brincando de um lado para o outro, e D.Emilia vai-lhes dando um “sweet” (de açucar
branco com risca vermelhas), que agradecem com gritinhos e passando palavra num
instante iam duplicando.
A noite foi caindo, a solidão volta, mas foi um dia diferente até que chegue o amanha e torne a ser o que há anos era.
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